Foto: Garapa - Coletivo Multimídia

Vítima de um incêndio, dramaturgo substituiu bom gosto pela verdade em peças como ‘O Rei da Vela’, que afrontou a ditadura

Maior nome da dramaturgia nacional e criador da linguagem tropicalista no teatro, José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, que encenou a folia, a orgia e a anarquia no Teatro Oficina, morreu nesta quinta-feira (6), aos 86 anos, em São Paulo.

Ele estava internado na unidade de terapia intensiva do Hospital das Clínicas depois de ter tido 53% de seu corpo queimado em um incêndio causado por um aquecedor elétrico que consumiu seu apartamento, no Paraíso, bairro da zona sul paulistana, durante a madrugada de terça-feira (4).

Nos anos 1960, Zé Celso escolheu a anarquia oswaldiana para desafiar a repressão da ditadura militar. O artista participou do grupo fundador do Teatro Oficina —também formado por Renato Borghi, Fauzi Arap, Etty Fraser, Amir Haddad e Ronaldo Daniel—, que se tornaria símbolo do teatro brasileiro.

Sob a direção de Zé Celso, os atores Othon Bastos, Etty Fraser e Dina Staf ironizaram os filmes da Atlântida, as comédias de costume e o tom empolado das óperas. Em “O Rei da Vela”, Abelardo, um agiota, enriquece endividando os outros e acaba trapaceado por um sujeito ainda mais sem caráter.

Zé Celso consolidava então os alicerces do Oficina, indo ao centro da linguagem dramatúrgica. Pensador do teatro, ele resgatava o conceito da antropofagia modernista. Mastigava e deglutia a cultura estrangeira, servindo ao público um banquete tropicalista. Assim, rompia com o estilo europeizado do Teatro Brasileiro de Comédia, o TBC, atribuindo sentido à arte teatral brasileira da segunda metade do século 20.

Assim, Zé Celso substituiu o bom gosto pela verdade. Profundo conhecedor do método do russo Constantin Stanislavski, operou uma mudança determinante na atuação brasileira. As peças não seriam compostas por uma sucessão de falas justapostas, mas por um permanente diálogo entre o elenco e a plateia.

Tal mudança impôs um novo significado para o espaço cênico. Ao modo de uma ágora, Zé Celso se voltava à essência do teatro, num jogo entre performance e catarse. Já não era mais interessante a representação, mas a convivência em cena de múltiplas linguagens.



Por Folha de SP