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Todas as semanas vamos às feiras e compramos frutas ruins. Mamões sem sabor, laranjas secas, bananas verdes, abacaxis esbranquiçados. O alface murcha rapidamente. A batata doce perdeu seu sabor e tornou-se uma criatura sem firmeza. Você reclama em casa, volta à feira, reclama fracamente com o vendedor, que engole o silêncio por não saber o que dizer.

Pois alarme-se comigo! Nós nunca mais comeremos boas laranjas. Tampouco sentiremos prazer ao cortar em cubos o mamão formosa, e, na mesa do jantar, enquanto mastigarmos a batata doce, nos lembraremos do tempo dos nossos pais, que arrancavam as batatas com suas próprias mãos, limpavam a terra do tubérculo que cheirava tão bem e era tão saboroso na hora da refeição.

O mundo mudou, e faz tempo. Tudo se intensificou com a revolução industrial, com as invenções dos séculos XIX e XX, com o estilo de vida que levou às últimas consequências o que o enciclopedista Francis Bacon dizia no século XVIII e que eu agora simplifico nessas frases rudes e curtas:  Submeter a natureza ao progresso. Extrair da terra, até à última gota, tudo aquilo que o planeta puder proporcionar ao bem-estar do homem.

De fato caminhamos céleres pelos trilhos do progresso. Inventamos métodos e máquinas para explorar o planeta. Demos à luz a substâncias químicas novas. Alteramos o DNA da terra. Inauguramos o que Bruno Latour chama de “A era do Antropoceno”. Traduzindo para a linguagem de compradores de laranjas, significa que nós, seres humanos, mudamos a biologia, a geologia, a química do planeta.

Veja, a coisa é tão séria que poderíamos dividir as pessoas do mundo em  três tipos: Os cínicos negacionistas, os cientistas loucos, e nós, compradores de laranjas ruins.

Sim, não há dúvidas de que nos últimos dois séculos o progresso foi estupendo. Nosso estilo de vida explorou e explora a natureza de formas tão crescentes que vivemos uma espécie de esgotamento de recursos naturais. Também inventamos máquinas e métodos de escuta e medição da natureza no planeta. A situação é catastrófica, alertam os cientistas, que são achincalhados pelos negacionistas e ignorados por nós, compradores de laranjas ruins.

“A crise climática”, esta é a expressão chave preferida pela mídia para tratar do problema. Mas, em verdade, não se trata mais de uma crise. Estamos no meio de uma guerra, na qual insistimos em nosso estilo de vida pós-industrial, em meio a respostas duras de um planeta que carrega em sua atmosfera, um aumento em bilhões de emissões de CO2,quando os países industrializados engavetam seus planos de redução da emissão de gazes com promessas   vagas para 2030.

Desbastamos sem dó nem piedade as nossas reservas florestais. Nossas reservas de água doce estão contaminadas pela sanha do garimpo ilegal e pelos agrotóxicos. O som e a fúria das tragédias naturais, sem dia nem hora para acontecerem, assustam aos compradores de laranjas ruins   enquanto os cientistas são chamados à tv para depoimentos que sequer são levados a sério.

Modernização Essa foi de novo a palavra chave que levou a câmara e o Senado a aprovarem nesta semana o “PL do Veneno”. O agronegócio, as indústrias de alimentos ouvidos pela TV Globo celebraram. Os ambientalistas, os ecologistas, fizeram coro com os cientistas loucos. É mais uma tragédia despejada pela política brasileira na vida dos compradores de laranjas ruins.

Os eventos climáticos matam muita gente, mas o que o agronegócio não conta, é que na última década,, mais de cinquenta mil pessoas morreram intoxicadas por conta do uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura brasileira.

Trezentos e vinte e sete deputados,  votaram o regime de urgência essa semana  para  “PL do veneno”, que foi ao plenário e obteve 301 votos favoráveis. Discussão? Quase que não houve.

O projeto de lei (PL) 1.459/2022, o PL do Veneno, que flexibiliza a aprovação e a comercialização de agrotóxicos, prevê que o controle do registro e venda de agrotóxicos sairá das mãos da Anvisa e do Ministério do Meio Ambiente, para ficar com o Ministério da Agricultura, que acelerará o registro e a regularização do uso de novos e antigos agrotóxicos.  “É deixar passar a boiada”, conforme disse o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, no governo Bolsonaro.

O relatório da Organização das Nações Unidas, divulgado recentemente, dá conta de que os gazes de efeito estufa jogados na atmosfera do planeta ultrapassaram a era pré-industrial em mais de 150 por cento, “alcançando o pico de 417,9 ppm (partes por milhão – o número de moléculas do gás a cada milhão de moléculas de ar”, atesta o relatório.

O Metano e o Nitroso também ampliaram sua disseminação, e os impactos já são experimentados em todo o globo.

Ondas de calor extremo, tempestades, tornados e furacões, estas são as claras e retumbantes sílabas do planeta, levando de roldão, as laranjas ruins e os seus compradores.

 



Por Jornalista, mestra em Ciências Sociais, Doutora em Comunicação e Semiótica.