Minha profissão é sofrer com o jornalismo brasileiro. E, nos dias que correm, estou vivendo em sofrimento agudo com a cobertura dos acontecimentos jornalísticos.

O presidente Lula, no domingo, deu uma entrevista coletiva sobre a situação dos palestinos em Gaza. A meio da sua fala, fez alusão ao holocausto perpetrado contra os judeus durante a Segunda Guerra., acionando sua indignação extrema para com a situação atual e o silêncio cúmplice de muitos líderes mundiais.

Foi o suficiente para que a maquinaria do #gatekeeping fosse acionada, para a distribuição em larga escala do pequeno extrato da fala do presidente, transformado em disparo, em artilharia pesada, para uso indiscriminado da extrema direita global.

Sim, a extrema direita não perderia a oportunidade de construir a narrativa explosiva contra o presidente Lula, verstindo-o com as pechas de antisemita, de perseguidor dos judeus, de toda sorte de adjetivos desvantajosos contra Lula. O pior de tudo, é se constatar mais uma vez, o trabalho da imprensa brasileira, de forma histérica, estridente, a disseminar mentiras, fake news e conteúdos que envergonham o país, a exemplo de twite vergonhoso distribuído nas redes, pelo chanceler israelita na última terça-feira, o qual foi disseminado e ecoado na grande mídia, que festejou aquele insulto ao Brasil como comunicação oficial.

A verdade é que o jornalismo brasileiro, desde os idos de 2003, quando o partido dos trabalhadores venceu as eleições presidenciais, postou-se na tribuna de oposição ao presidente Lula, aliando-se aos interesses das elites nacionais e à política dos Estados Unidos. Cuidou-se de verdadeira especialização da engenharia do gatekeeping, no velho esquema “se achar melhor a gente edita”. A cobertura em tempo real, e o estabelecimento de uma programação com notícias o dia todo, não era necessário ampliar o número de jornalistas nas edições. Comentaristas estavam o dia todo repercutindo pequenos fragmentos de informação, forjando narrativas capazes de derrubar governos, conforme assistimos a partir de 2016, por ocasião do impeachment da presidenta Dilma.

O processo, para os proprietários de comunicação deu tão certo que amplificaram-se as estridências nos editoriais, nas redes sociais e diante das câmeras e microfones.

O jornalismo é raso, superficial, aferrado a um pequeno trecho daquela entrevista coletiva. A maquinaria avança para ouvir justamente aqueles especialistas capazes de ecoar o pensamento único do jornalismo brasileiro. Num clima de exaltação, quase alegria, os comentaristas de tv e rádio manifestam um ódio subterrâneo que desde 2003, têm devotado aos governos de esquerda.

Para quem compreende as artimanhas midiáticas, assiste todos os dias, à morte de um jornalismo plural, investigativo, feito com responsabilidade e ousadia.

Os leitores hão de me perguntar: Mas você quer que a imprensa seja uma espécie de chapa- branca, sempre aplaudindo e elogiando os atos do governo? De maneira alguma, respondo. Aprendi e ensinei que o jornalismo é o porta-voz da sociedade, o vigia dos acontecimentos e o defensor da democracia e dos mais vulneráveis. O jornalismo brasileiro praticado na mídia comercial entretanto, divorciou-se desses princípios fundamentais, para exercitar uma espécie de “fala animada”daqueles extratos da sociedade sintonizados com um modelo social calcado na economia rentista, e numa visão de política que classificam como de terceira via, mas que na verdade é a política new liberal do arrocho salarial dos trabalhadores, do estado mínimo, e de medidas econômicas capazes de dar sustentação a esse status quo.

É um jornalismo incendiário, que coloca a serviço da sua cobertura canhestra, todas as ferramentas da agenda-seting, editando, enquadrando, alimentando através de efeito enciclopédico, o fato empacotado em bits de informação, a ser pautado de forma homogênea em todos os veículos.

Estou certa de que enquanto o presidente Lua estiver no poder, a imprensa brasileira fará sua guerra declarada ao governo. A edição das falas, gestos e silêncios do presidente serão esquadrinhados, multiplicados e servidos como prato principal, no jornalismo de todos os dias, o dia todo.

Um jornalismo empenhado num perpétuo divertimento, festejando as derrotas do governo, feliz com as perseguições advindas do parlamento, do empresariado e de parte da sociedade, um jornalismo indiferente ao seu próprio cadáver, apodrecido e pesado da repetição da pauta única.



Por Joana Belarmino Jornalista, mestra em Ciências Sociais, Doutora em Comunicação e Semiótica. professora titular colaboradora do Programa de Pós-graduação em jornalismo da UFPB,contista e membro do Clube do Conto da Paraíba.