Nesta quarta-feira, 7 de agosto, a Lei Maria da Penha completa 18 anos desde sua aprovação. O regulamento entrou em vigência efetivamente no dia 22 de setembro de 2006 e representou um marco na história da luta contra a violência à mulher.
Durante 11 anos, o texto da lei permaneceu inalterado. Somente em 2017, a primeira de uma sucessiva série de alterações foi instituída. Até 2023, 13 mudanças foram feitas na Lei Maria da Penha. Entre os projetos de lei (PL) aprovados, as propostas incluíam enrijecer as medidas protetivas de urgência, reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar, apreender armas de fogo sob posse do agressor, punir violência psicológica e tornar obrigatória a informação sobre a condição de pessoa com deficiência da mulher em situação de vítima.
A pesquisadora Ana Paula Gerner, mestre pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, buscou revelar e analisar as características mais comuns entre os PLs propostos que buscam alterar a lei. Em sua dissertação, intitulada Propostas de mudanças legislativas sobre políticas de enfrentamento à violência doméstica: categorização e análise dos projetos de lei que buscam alterar a Lei Maria da Penha, ela argumenta que boa parte dos projetos traz reivindicações semelhantes ou de pouca relevância.
“A gente tem que garantir que a lei seja aplicada e não ficar fazendo várias alterações sem necessidade. Não que a lei seja perfeita e nós não possamos alterar nada. Não é isso! É sobre colocar em prática, ver o que funciona ou não e aí planejar uma alteração”, diz a advogada.
É necessário mudar?
Sobre as mudanças, Ana Paula comenta: “A primeira foi em 2017. Eu não sei dizer o que aconteceu que resultou em mais projetos, mas uma hipótese é do uso do tema da violência doméstica de uma forma política. Então, às vezes, um deputado nem sabe exatamente como foi criada a lei ou o que a lei prevê, mas usa isso, propõe um projeto sobre violência doméstica para falar que está defendendo a mulher”.
Ela também relaciona o aumento exponencial de projetos apresentados no ano de 2019 com as eleições realizadas no ano anterior. “Houve uma mudança muito grande, politicamente. Tiveram muitos parlamentares novos no Congresso. Então, existe uma questão de propor projetos para mostrar que estão fazendo alguma coisa, principalmente ali no primeiro ano de mandato.”
Contudo, Ana Paula reafirma que a violência contra a mulher é um tema de extrema relevância e que mobiliza ações de figuras governamentais identificadas com diferentes partes do espectro político.
“Não dá para falar que todos estão propondo projetos para melhorar a lei e trazer algum benefício, porque o que a gente vê é que existem muitos projetos propondo exatamente a mesma coisa ou que pretendem fazer mudanças desnecessárias. Ou, às vezes, projetos que propõem algo que vai contra tudo aquilo que a Maria da Penha trouxe. Os projetos punitivistas, por exemplo, que querem aumentar o aspecto penal da Lei, acabam indo contra o que a lei propõe”, ressalta a pesquisadora.
“Eu acho que os que vêm nesse sentido [de preencher lacunas] são, por exemplo, aqueles que preveem a acessibilidade à mulher. Uma das lacunas seria quem é a mulher atendida pela Lei Maria da Penha: são todas as mulheres mesmo? Então, esses projetos de acessibilidade trabalham no sentido de garantir que a mulher com deficiência também seja atendida pela lei.”
Nesse contexto, ela alerta sobre os projetos que tramitam em emergência ou prioridade e, por isso, pulam algumas etapas do processo legislativo. ”O que isso pode implicar às vezes é não ter um diálogo com as organizações e com os movimentos sociais, coisa que a Lei Maria da Penha teve muito”.
A criação da Lei Maria da Penha foi diretamente influenciada pela atuação de mulheres e movimentos feministas. A movimentação desses grupos é muito anterior a 2006. Durante décadas, as mulheres levaram ao debate público a defesa por seus direitos, de modo que a aprovação dessa legislação foi apenas um dos diversos avanços conquistados pela luta feminina.
Nos anos 1980, as brasileiras se engajaram na luta pela redemocratização, elaborando e fortalecendo propostas para serem incluídas na Constituição de 1988. Um exemplo é o Encontro Nacional da Mulher Pela Constituinte, realizado em 1986, onde as propostas debatidas foram organizadas no documento Carta das Mulheres à Assembleia Constituinte, que apresentava as reivindicações e demandas femininas, muitas das quais foram atendidas na Carta Magna brasileira.
As primeiras organizações a denunciarem a violência doméstica contra a mulher foram o SOS Corpo, em Recife, e o SOS Mulher, em São Paulo. Outra iniciativa de grande repercussão foi a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), criada primeiramente em 1985, em São Paulo. Estudiosos ressaltam o impacto real e simbólico causado pelas DEAMs, que representaram um ganho político para a conscientização das mulheres contra a opressão masculina e pela busca de cidadania.
Na década de 1990, houve a ampliação das delegacias especializadas e a criação de novos serviços, como abrigos e centros de referência. Outro marco importante foi o reconhecimento da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) como órgão ministerial pelo governo federal, em 2003. A atuação das organizações feministas junto à SPM resultou no Projeto de Lei nº 4.549/04, que originou a Lei Maria da Penha.