Se algo encantou a minha infância foi essa viagem chamada leitura. Percurso de prazeres inigualáveis. Não havia acervo algum em minha casa, mas sempre estive atento aos livros frutos do acaso. Não tinha dinheiro para comprá-los. Mesmo assim tive e tenho olhos atentos ao vê-los por perto. Jorge Luiz Borges imaginava o paraíso como um tipo de biblioteca. Conheci muitas. Todavia, algumas com obras magníficas trancafiadas com os ferrolhos do patrimônio. O acesso ao paraíso sempre foi e continua sendo um desafio imenso.
Certa vez conheci um cônsul da França que morava em Recife e perguntei sobre a literatura contemporânea francesa: “ah, não existe mais literatura na França”, respondeu. “Agora só os Youtubers fazem sucesso”. “Não estou falando de sucesso”, eu disse. “Estou falando de literatura e leitura.” Fechou a cara. A conversa morreu ali. Ao contrário do que ele disse, há décadas a França desenvolve políticas públicas de leitura literária de forma permanente.
Aqui no Brasil basta alguns passos e celebramos vitórias. Depois caímos na descontinuação. Foi mais ou menos isso que eu li em “Cinco diálogos sobre o livro e a leitura”, de Maria Luíza Batista Bretas. Os problemas em torno do livro, leitura, literatura e políticas públicas no Brasil são reais e nos cabe discuti-los e enfrentá-los. O corporativismo corrosivo de alguns setores atrapalha. A sede desmedida de protagonismo, também. Todavia é essa realidade de auroras e vácuos que traz a necessidade de pensar e agir nesse Mundo Livro tão cheio de dissonâncias e bonitezas. As feiras literárias são os motores das transformações necessárias.
Desde o nascimento da FLIP – Festa Literária de Parati, a transversalidade da literatura na educação e na formação humana virou assunto. Mas nem só de prêmios e curtidas vive a produção contemporânea. Alguns atores sociais Brasil afora já despertaram para o que dizia Roland Barthes: “a literatura contém muitos saberes”. Ou para o que escreveu Antônio Cândido: “a literatura é um direito humano”. As festas literárias se espalharam e podem efetivamente construir uma ponte entre a escrita criativa e a sala de aula. Duas forças que se retroalimentam. Toda feira literária bem estruturada é, na verdade, um processo pedagógico. A FLIC não é diferente e se aprimora cada vez mais neste sentido.
Este ano a Paraíba recebeu a VI FLIC – Feira Literária de Campina Grande. Foi o pipoco do trovão, como se diz por aqui. Uma ação cultural muito bem-organizada por professores, professoras e agentes culturais. Com algum apoio institucional, mas com uma crescente autonomia a partir de leis de incentivo como a Rouanet. Por ter acompanhado a evolução e a organização da FLIC desde a primeira edição, posso afirmar que chegamos ao sexto round dessa luta apaixonada com um elevado grau de credibilidade e uma densidade admirável.
A FLIC faz muito bem para a imagem de uma cidade com a tradição cultural, artística e intelectual como Campina Grande. Faz um bem enorme para a Paraíba e já se destaca como uma das feiras literárias de grande visibilidade do Nordeste. É uma ação que reune um público apaixonado por literatura, leitura e educação. Oferece para as redes de ensino, principalmente através das suas ações continuadas, uma bela oportunidade de capacitação e alargamento de horizontes para alunos, professores e amantes de histórias bem contadas.
A FLIC nasceu e cresceu com os pés e a cabeça no multiculturalismo e este ano reuniu artistas, escritoras e escritores de diversos estados, de Campina, da Paraíba e até do exterior. Expandiu suas possibilidades e certamente aprendeu tantas outras lições para gerar ainda mais expectativas sobre a VII FLIC que já tem data definida. Vai acontecer entre os dias 11 e 17 de novembro de 2024. Na verdade, começa a ser pensada e elaborada a partir de agora porque é feita por gente que sabe exatamente o que está fazendo e ama o que faz.
Na foto que ilustra esta coluna, apresento o que chamo de “estado maior” da FLIC. Pessoas diretamente envolvidas no planejamento, curadoria, organização e coordenação do evento. Da esquerda para a direita, Audemar Ribeiro, Hilmária Xavier, Iasmin Mendes Stellio Mendes e Carla Teide Mendes. Um grupo bem maior, logicamente, faz a FLIC acontecer. Este ano escritores e escritoras renomados ou emergentes na literatura contemporânea estiveram por aqui. Destaco os nomes de Xico Sá, Maria Valéria Rezende, Bruno Ribeiro e Aline Bei. O público foi bem generoso e ficou com aquele gostinho delicioso de quero mais.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.