A comunidade artística brasileira é imensa, diversa e pouco reconhecida. Não há novidade alguma nisso. As estruturas midiáticas que movimentam a sociedade vivemfabricando mitos. Artistas, todavia, pisam firme na realidade e transcendem no paralelo. Às vezes são considerados exóticos, mas transformam o olhar coletivo.Desafiam o tempo e suas réguas. Gênios como VincentVan Gogh que o digam.
A Paraíba sempre surpreende. Abriga uma comunidade artística preciosa e imensa. Não esqueço o dia em que,passeando num bairro de Cajazeiras, conheci um homembem idoso. Me disse que estava cuidando da esposa doentee fazia algumas coisinhas para se distrair. Perguntei que “coisinhas” eram essas. Então me convidou para entrar. A “coisinha” que ele estava fazendo era um violoncelo. Que privilégio o meu!
Tenho um gosto especial pelos rincões. Adoro pequenas cidades com a história cravejada no sabor das ruas. Assim é Pombal. Terra de Leandro Gomes de Barros, “o príncipe dos poetas” como dizia Drummond. Lá nasceu Celso Furtado, um dos maiores intelectuais latino-americanos. Cidade que tem a honra de abrigar Luizinho Barbosa, um pesquisador que recentemente mergulhou na história do Reisado de Pombal, dando continuidade ao trabalho iniciado pela equipe do poeta Mário de Andrade nos anos 30.
Pombal dos Quilombos, dos Pontões e da Cabocla Maringá. Uma cidade cuja história dialoga diretamente com o desenvolvimento do Sertão. Por lá conheci muitagente linda. Não lembro desde quando, mas há muito conheço um artista chamado Zé Ronaldo. Um cara que me surpreende sempre pela versatilidade e pela intimidade com diferentes linguagens artísticas. Tem um pé nas artes plásticas, outro no teatro e no humor. É o criador do Palhaço Fuleragem que distribui sorrisos pela cidade.
Dia desses me surpreendi mais uma vez com Zé Ronaldo, um pombalense nascido em Natal. Não tem nada de potiguar. É um paraibano de tutano. Um sertanejo raiznascido no litoral. Educador, pessoa de extrema sensibilidade e talento inquestionável. Estremeci com uma face que ainda não conhecia desse artista admirável. Descobri que ele tem um pé na arteterapia. Trata de si mesmo repartindo a cura com seus iguais.
Sem fronteiras entre a arte e a vida, Zé Ronaldo extrai dasruas o suporte para suas múltiplas faces. O palhaço que conheci também tem passagens pelo cinema. Sabe fazer releituras preciosas de obras modernistas numa simples folha de papelão. Um trabalho cuidadoso de um artesãoatento aos detalhes. Algo que revela aquela inquietude somente comum aos bons. Aos que valem um texto.
Zé Ronaldo é um artista com luz própria. Não sei se perceberam, mas fiz uma pegadinha nesta coluna. Falo do artista e não mostro seu rosto na foto destacada. Fiz de propósito. Ao invés do rosto de Zé Ronaldo, mostro o rosto do seu público em uma apresentação, creio, no Teatro Murarte, em Pombal. O público é a verdadeira face de um artista de verdade e com Zé Ronaldo não é diferente.
Outro dia li alguma coisa sobre a beleza. Concordei plenamente com o que li. A beleza é tudo aquilo que queremos repartir. O que queremos que mais alguém reconheça. Lembra um pouco um conto de Eduardo Galeano. Um menino foi levado para conhecer o mar pelo pai e, chegando lá, exclamou seu encantamento: “pai, me ajuda a ver.” É isso. Achei bonito e quis repartir para ver melhor.
Quando vi os seus trabalhos em papelão relacionando a arte moderna com a arteterapia percebi o quanto é infinito esse tal de Zé Ronaldo. O quanto é generoso e humano na sua conjugação da existência. Você também poderá acompanhá-lo nas redes. Lá poderá ver seu rosto. Talvez conversar com ele. Visite as páginas @fuleragem93 e @arteronald no Instagram. Afinal, rede social não é só para fazer pose de boniteza.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.