Nordeste é uma ficção
Nordeste nunca houve.
(Belchior)

Fruto de uma pesquisa de doutoramento em Literatura e Interculturalidades na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB, o livro Nordeste Nunca Houve é uma provocação em diversos sentidos. O foco é o Nordeste, mas no fundo é ao papel da literatura no mundo contemporâneo que o livro se refere.

Seu autor, Johniere Alves Ribeiro, escritor, pesquisador e professor, soube cumprir todos os protocolos acadêmicos com rigor. Entretanto, sem abandonar a poesia. Celebrou uma linguagem leve. O que torna a leitura fluida e agradável, mesmo fruto de um mergulho tão profundo. O foi publicado pela prestigiada editora Arribaçã, de Cajazeiras.

O prefácio traz a assinatura do também poeta e Professor Doutor da UEPB, Luciano Justino. Um homem que a despeito do seu sólido prestígio acadêmico é autor de um livro raro, precioso e instigante da nova poesia brasileira: “380 poemas pretos + 3”. Um livro-poema que estende as escolhas poéticas até mesmo quanto ao projeto gráfico.

Luciano teve sensibilidade para perceber que estava orientando um aluno apaixonado pela pesquisa. Alguém que sabia estar parindo um debate necessário para a literatura contemporânea. Algo que precisa ganhar o mundo. Um livro que se divide em três partes: “Nordeste nunca houve: uma introdução”; “Nordeste não é um aquário” e “Literatura, criação do Nordeste e proposta de rompimento com a estética da seca”.

Sempre achei que o estigma de um Nordeste seco, pobre e triste foi uma invenção política da velha imprensa sudestina. Uma ideia que por décadas pairou sobre os sertões com ares absolutos e há tempos já é algo muito questionado. Tudo isso e mais os gorgulhos indolentes do patriarcado. Como não poderia deixar de ser, tudo sempre desaguou na literatura e a ruptura é apenas uma consequência.

O Nordeste sempre foi rico e literário. Mesmo que desde sempre tenha sido devastado, saqueado e calado pelas oligarquias. A grande tragédia é a estrutura social e não os fenômenos climáticos. A Caatinga é a nossa floresta branca desmatada. Talvez por isso, obras como a de Johniere funcionem como uma britadeira quebrando muros e preconceitos regionais inconcebíveis. Eis um Dom Quixote de gibão!

Creio que para o bem da literatura brasileira contemporânea o Regionalismo enquanto conceito, morreu. Foi atropelado por obras como O Gótico Nordestino, de Cristiano Aguiar, Vasto Mundo, de Maria Valéria Rezende ou Porco de Raça, de Bruno Ribeiro. Sumiu na poeira. Ainda que toda a produção dita regionalista necessite ser revisitada.

Também já ouvi comentários irritados do escritor angolano Ondjaki sobre essa tal lusofonia. Da mesma forma acho um tanto desproporcional reduzir um clássico como Vidas Secas ao regionalismo e tratar como lusófonas apenas as obras africanas.

Aliás, pouco se discute sobre os rumos tomados pelas literaturas feitas em regiões culturalmente ricas e diversas, mas fora do eixo. Há muito de colonial nesses conceitos de regionalismo. Há muito apartheid disfarçado de estilo e influência angustiada.

Ao questionar a estética da seca o livro “Nordeste Nunca Houve” nos arrasta para o cenário real da produção contemporânea. Ele sabe que o livro é fruto de uma pesquisa que não se esgotaria jamais numa defesa de tese. Tem fôlego suficiente para continuar fomentando um debate apaixonado sobre a literatura feita no Nordeste ontem e hoje.

O livro nos convida a pensar, inclusive, nas hierarquizações estabelecidas pelos interesses que gravitam em torno da literatura brasileira. Algo ainda dissociado das pautas educacionais. Não por acaso, em pleno século XXI estamos convivendo com censura de livros que falam de racismo e relações homoafetivas.

A vida não é fácil neste Mundo Livro S/A. Nunca foi. O território da criação não deveria permitir alambrados. Todavia, a grilagem literária é real e feroz. O livro de Johniere nos alerta sobre a produção literária contemporânea nordestina, mas não apenas. É da literatura universal de Língua Portuguesa que ele está falando.