Carros sempre fascinam e mexem com o imaginário infanto-juvenil, ainda mais sendo esportivos. Na sala de aula ou nas calçadas à noite, era muito comum o papo girar em torno de automóveis, muitos dos quais apenas ouvíamos falar. Nessas conversas, revelava-se a preferência por esse ou aquele modelo, além de se enfatizar as qualidades, muito embora pouco ou quase nada soubéssemos de automóveis. Para quem, como eu, viveu sua infância na década de setenta, deve lembrar bem dos esportivos mais comuns da época: SP2, Opala SS, Maverick GT, Passat TS, Dodge Polara, Puma, Miúra e outros. Alguns desses, muito raros no nosso interior, nunca chegamos a ver de perto. Falávamos muito também do “carro manguinha”, para nós, uma verdadeira lenda.

Em exposição de carros antigos, matérias de revistas ou programas de TV, sempre procurava identificar aqueles modelos que tanto mexiam com o nosso imaginário no passado. Curiosamente, sobre o “carro manguinha”, nunca vi ou ouvi nada relacionado. Sem qualquer referência, para mim aquele carro se convertia em mistério, de cuja existência cheguei mesmo a duvidar. Seria mesmo uma lenda? Por achar o nome, digamos exótico, nunca ousei perguntar pra alguém, nem mesmo pra um amigo, se conheciam algum modelo de automóvel que carregasse o simpático apelido.

Anos depois, já morando em Recife, passei a ver alguns daqueles carros com mais freqüência, inclusive no trânsito. Um dia vi um carrinho baixo de apelo esportivo, cujas linhas arredondadas e suaves denunciavam o tempo de sua geração. Desconfiei de um Karmann Ghia e confirmei ao ver o nome fixado em metal cromado na tampa traseira. Devia ser uma das últimas unidades produzidas no Brasil pois tratava-se de um modelo 1.6, lançado no início da década de 70. Como de outras vezes, me perguntei por que nas nossas “resenhas” infanto-juvenis, aquele modelo não constava no nosso repertório. Seria o seu nome complicado a razão? Naquele instante, um casal passou bem próximo e comentou: “Veja, um k-a-r-m-a-n-n g-h-i-a”. Ao ouvir aquilo, imediatamente associei aquela pronúncia arrastada da palavra alemã, à expressão bem portuguesa, mas foneticamente correlata, utilizada pela gurizada – digo, “nós”- para batizar aquele carro. Pronto, eu havia acabado de encontrar o tal “carro manguinha”. Encontrado e perdido ao mesmo tempo, pois estava confirmando que, pelo menos assim descrito, o “carro manguinha” era mesmo um fantasma, que “sobreviveu” graças à incrível semelhança de pronúncia que tornou inevitável o trocadilho com o verdadeiro nome daquele automóvel. Acabava-se assim o mistério do “carro manguinha” e se desfazia também um equívoco de décadas.

O Karmann Ghia foi o automóvel de característica esportiva mais popular de todo o mundo. Nasceu da união do fabricante de carrocerias alemão Wilhelm Karmann com o italiano Luigi Segre – designer do estúdio Ghia, em 1952. Dez anos depois começava a ser produzido no Brasil sobre a plataforma do Fusca. Os primeiros modelos eram equipados com motor 1.200 de 36 cavalos que atingia na época 118 km/h de velocidade máxima e levava mais de 30 segundos para atingir os 100 km/h – a maioria dos carros hoje chega a essa velocidade em 10 segundos. A motorização inicial seria substituída em 1967 pelo motor 1.500, de 52 cavalos com o qual o Karmann Ghia passou a atingir 135 km/h. A linha cresceu com a chegada do conversível, no começo de 1968, do qual só foram produzidos 177 exemplares. Em 1970, o KG ganhou o motor 1600 e uma versão mais “requintada” – o Karmann Ghia TC, equipado com dois carburadores. Até 1972, último ano de sua fabricação, foram produzidos 23.500 carros na versão original cupê. Porém, o modelo Touring Coupé (TC), mais luxuoso, que utilizava a plataforma do VW TL, ainda seria produzido até 1975, quando saiu definitivamente de linha. Estima-se que ainda existam no Brasil cerca de 2.000 desses automóveis, dentre os quais, 50 conversíveis, em bom estado e cuidadosamente conservados. Alguns, felizmente, ainda rodando em algumas capitais brasileiras.