Parece que tudo começou ontem, mas neste ano de 2023 o Grupo de Teatro Oficina completou quarenta e três anosde atividades ininterruptas em Sousa-Pb. Lá se vão mais de quatro décadas fazendo arte no Alto Sertão da Paraíba. Um marco e uma referência para as produções artísticasque sobrevivem fora dos grandes centros e dos eixos midiáticos.
Não é fácil, mas o terreno é fértil. Artistas da região brilham nos palcos e nas telas do cinema brasileiro. Eles sabem que todo começo é desafiador e, às vezes, até as inseguranças são necessárias. Estamos falando de uma lutacotidiana que acontece no palco, na plateia e no meio do mundo. O resultado é uma pulsação permanente. Uma jornada de boas escolhas e um plantio de boas sementes.Um dos frutos maduros dessa colheita é o Teatro João Balula.
João Balula foi um grande mestre. Um ativista dos movimentos sociais e das culturas populares. Um artista que fez da sua vida um roteiro de canções igualitárias. Presidente da também saudosa Federação Paraibana de Teatro Amador – FPTA, atravessava o estado custeado pelo próprio salário para implementar parte significativa do que hoje existe enquanto cena teatral na Paraíba. Passou a sua vida inteira repartindo uma riqueza que só os mais atentos percebiam.
Balula sabia como organizar as trupes que fizeram e fazem a história do teatro nos rincões da Paraíba. Sua memória merece todas as homenagens. O anfiteatro com seu nome numa praça de João Pessoa, sem qualquer atividade, parece esquecido. Já o Teatro João Balula, em Sousa é um espaço de efervescência e ocupação artística permanente. Não poderia ter outro nome. O espaço é a cara dessegrande agitador cultural que entrou para a História sem pedir licença.
A expressão “guerrilha cultural” criada pelo músico, artista plástico e ativista Pedro Osmar, um dos fundadores do Jaguaribe Carne. Idealizador de ações culturais independentes como o Fala Bairro, o Musiclube da Paraíba e as Casas Populares de Cultura, cabe muito bem na definição do Grupo Oficina que teve a sensibilidade de criar o Teatro João Balula.
O que até 2010 era apenas um prédio abandonado da CONAB, hoje é um espaço de criação, de formação e acolhimento artístico. O que impulsionou isso tudo foi uma atitude de “guerrilha cultural” do Grupo Oficina. Em 2012 a ocupação ganhou fé pública. O ano marca a oficialização de um comodato justificado pelos benefícios da ocupação para a cidade.
Por tudo isso o teatro João Balula é uma conquista e a expressão de um movimento permanente de resistência e visibilidade das lutas contra todo o tipo de preconceito. Este é o lugar da arte e o espaço cultural que fez justiça cravando na história da cultura paraibana o nome de um dos seus grandes articuladores.
Balula foi um grande homem e um agitador necessário.Um libertário convicto que nunca se rendeu nem se vendeu. Quem conviveu com ele sabe exatamente do que estamos falando. Lembrava muito o “homem coletivo” citado por Chico Science. “O homem coletivo sente a necessidade de lutar.” Foi um lutador incansável das pautas igualitárias e da democracia plena. Nunca hesitou em suas bandeiras nem poupou os incautos.
Os desafios e a responsabilidade para manter um espaço desse porte, no entanto, são imensos. Seria natural que a prefeitura de Sousa ou outras prefeituras dos arredores mantivessem algum tipo de convênio para ajudar a sustentar a pisada. Espaços de cultura cumprem naturalmente uma função social e se tornamimprescindíveis para.
O Teatro João Balula é um bem cultural que não tem vinculação com qualquer esfera da gestão pública. Porémpresta um serviço público indiscutível. As poucas despesas são pagas com recursos próprios. Sabe-se se lá o tamanho deste sacrifício. Por força do bom relacionamento com a cidade, consegue pequenas parcerias para manter, por exemplo, uma assessoria jurídica.
Existir há quatro décadas já é um ato de resistência. Manter o Teatro João Balula é um legado para o futuro da cidade de Sousa e para o processo civilizatório do Sertão. Que o espírito sempre inabalável de João Balula continue batendo seus tambores para que as lutas coletivas não sofram abalos. O teatro e Oficina há muito tempo são patrimônio cultural da Paraíba.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.