A planta do tabaco é originária das montanhas dos Andes mas se espalhou por todo o continente americano com as migrações dos povos ameríndios. Suas folhas eram usadas pelos nativos com finalidades terapêuticas e em rituais religiosos, sob variadas formas: em pó, mascada, bebida, fumada e até ingerida. Os europeus quando aqui chegaram passaram a conhecer suas propriedades e introduziram o tabaco na Europa no século XVI onde se tornou muito popular. Com a vinda dos escravos para as Américas, estes incorporaram seu uso nas cerimônias religiosas. Por esse mesmo tempo, o tabaco aqui cultivado passou a ser usado como importante moeda de troca utilizada no comércio de escravos no continente africano.

O hábito de fumar por ostentação se originou na Espanha através do charuto. Muito tempo depois, por volta de 1840, teve início o seu uso na forma de cigarros. Neste ponto a finalidade terapêutica, que foi inicialmente atribuída ao tabaco, já havia perdido seu lugar para o hábito de fumar como autoafirmação e lazer. Embora o uso do cigarro tenha tomado enormes proporções no mundo já a partir do início do século XX, apenas em 1960 foram publicados os primeiros relatos científicos que relacionavam o fumo ao aumento da incidência de câncer e infarto.

No Brasil os nativos já utilizavam o tabaco, mas foi com a colonização portuguesa que a planta começou a ser cultivada também para comercialização, quando o Governo Colonial instituiu o monopólio estatal de produção do fumo. Em meados do século XIX os estados da Bahia, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul se tornaram as mais importantes regiões produtoras e o fumo passou a ser o quarto produto agrícola mais exportado pelo Brasil, depois do café, do açúcar e do algodão.

Como muitas pessoas da minha geração, cresci rodeado de tios, avós e primos mais velhos, todos fumantes. O ato da “iniciação” ao tabaco estava associado à autoafirmação dos jovens e era comum também, quando dos primeiros tragos na presença de seus pais, o filho pedir-lhes licença para fumar, em sinal de respeito. Isso eu mesmo presencie. Mas não só isso: acompanhei inúmeras vezes meu avô paterno à colheita das folhas de fumo na sua própria plantação – longe eu de imaginar que naquela planta nascia um dos piores vícios e problemas de saúde da humanidade, principalmente quando transformado no cigarro industrializado, adicionado de inúmeras substâncias cancerígenas. Folhas colhidas, chegava alguém com um jumento e os “caçuás” para transporte até o terreiro de casa para serem enroladas e postas para secar presas numa espécie de cruz de madeira invertida. Esta era a forma mais artesanal possível de produção do fumo de rolo vendido nas bodegas e feiras livres das cidades.

Se o hábito de fumar representava emancipação e status ao fumante (pelas marcas consumidas), o vício era iminente, levando o usuário à total dependência. Penso eu, e me coloco como exemplo, que o consumo do fumo deveria ser eventual, ocasional, sem impulsos levados pela ansiedade e que fatalmente levam ao vício. Já fumei eventualmente – até outros tipos de cigarros – mas jamais me deixei levar pelo prazer que os tragos no fumo proporcionam. Infelizmente, por muito tempo os apelos dos comerciais de cigarro procuraram associar o hábito de fumar a uma vida saudável apresentando atores e pessoas jovens fumando em momentos de lazer ou praticando esportes ao ar livre.

Hoje, na maioria dos lugares fechados, público ou não, é proibido fumar, mas nem sempre foi assim. Nos escritórios, repartições públicas, ônibus, aviões, etc., cadeiras e cortinas cheiravam a fumo. Nos aviões, normalmente as últimas fileiras de poltronas eram reservadas aos fumantes como se a fumaça exalada respeitasse esse limite e não incomodasse a todos. Nossa roupa ficava impregnada pelo odor da fuligem exalada. Pior, os fumantes passivos tinham seus pulmões contaminados quase tanto quanto os de quem fumava propriamente. Trabalhei num ambiente fechado onde havia muitos fumantes e depois de várias horas a fumaça em névoa pairava no ar contra a iluminação do ambiente. Era insalubre, insuportável e ainda tínhamos de aguentar a presunção e arrogância dos fumantes que desdenhavam de qualquer argumento racional contra o fumo naquele ambiente fechado.

No final dos anos 80, mesmo indo de encontro a interesses econômicos, muitas campanhas do Ministério da Saúde procuraram desencorajar futuros potenciais fumantes, mostrando os malefícios que o vício ao fumo trazia. De início os comerciais de cigarros na TV foram obrigados a trazerem advertência contra o fumo; em seguida ficou proibida qualquer propaganda de cigarros. A partir de 1996 várias leis e decretos foram instituídos restringindo o uso (ou o abuso) do fumo em ambientes fechados ou parcialmente fechados, buscando sempre conscientizar as pessoas quanto ao uso do cigarro e seus males e, por conseguinte, proteger a saúde de tantos outros que durante muito tempo se sentiram impotentes, intimidados que eram quando reclamavam da qualidade do ar que respiravam nos seus locais de trabalho. Apenas com a aprovação das leis antitabagismo é que houve um disciplinamento do fumo em lugares de convivência laboral ou social e muita gente se sentiu incentivada a largar o vício.

Sendo um problema cujas consequência tem efeitos de longo prazo, o nosso sistema de saúde ainda arca com o ônus de décadas de vício ao tabaco. O Ministério da Saúde gasta mais de 100 bilhões de reais por ano com tratamento de doenças e incapacitações relacionadas ao tabagismo. Felizmente as campanhas educativas tem desencorajado os jovens a fazerem uso do cigarro e o número de fumantes no país tem decrescido nas últimas décadas. Essa nova realidade aliviará no futuro próximo o orçamento do MS para gastos com o tratamento das doenças cardiorrespiratórias associadas ao fumo. E, como estudioso da Geografia, eu não podia deixar de pontuar aqui um detalhe: nos lugares mais frios, ironicamente mais desenvolvidos do Brasil, o percentual de fumantes na população é maior. Os estados com os menores índices de fumantes estão no Nordeste enquanto os maiores índices estão no Sudeste e Sul do país. Os nordestinos tem dado um ótimo exemplo de adesão às campanhas antitabagismo dos últimos anos.

Dermival Moreira – autor de “Identidade e Realidade”.