Dizem que a crônica é o meio de transporte mais rápido entre quem escreve e quem lê. Não sou eu que afirmo, pois faço parte dos dois lados. Eu apenas fico na parada esperando o transporte do tema, o que, convenhamos, nem sempre vem – suponho que travou no meio do caminho, achou um buraco para chamar de seu. Então me valho do recurso extremo, também é um clássico: a falta de assunto.
Por falta de assunto, entenda, ele está por aí, dando sopa. É que o dito nem sempre está a fim. Precisa ficar redondinho, sem arestas. Nem é questão de medida: o grande ou o pequeno, nas mãos do cronista, tem que caber com a bola certa para o tipo de jogo.
Um dia desses saí com uma amiga, também cronista, para umas comprinhas. Um par de óculos e uma extensão elétrica no Terceirão. Dá assunto? Dá. Só que por minha lente o tema não rendeu eletricidade, ficou pra outra. Numa saída anterior a esta, fui à padaria, um fato corriqueiro como o Caetano Veloso atravessando uma rua no Leblon. E debaixo de uma castanheira um sagui quis fazer contato. Parei um pouco, e cuidando de não o assustar criei uma selfie mental. Mas não achei galho pra uma crônica.
Eu gosto é da conversa ao pé do ouvido, da ideia de que o mundo costura um fato a uma teoria ou vice-versa e também sou chegado a gente – que é como um fio condutor de histórias, algumas não acontecidas, mas vai saber, se imaginação não for o concreto em estado de prontidão, não sei mais o que é. Gosto de bicho que não existe, livro que ainda não foi escrito e lugar que ainda não está no mapa. Talvez por isso eu exerça a crônica de antecipação, a que não chova no molhado, mas vem aí umas nuvens carregadas…
Agora viro a página e dou de cara com o que estimo mesmo, o uso que dou às palavras. Como a famosa crônica do Veríssimo, cujo título Palavreado, foi minha primeira incursão no dócil balanço dos significados das palavras. Por que uma palavra significa uma coisa e não outra? Por exemplo, mequetrefe bem podia ser um instrumento de fazer ruído de pedregulho no carnaval (os garotos girando os mequetrefes…) ou galocha, um tipo de doce francês feito de geleia de mirtilo.
Enfim, faça sol ou faça chuva, a tarde é o período que mais gosto do dia para ser um observador de nuvens, acontecimentos mínimos ou aquela lembrança de infância. A criança que habita em mim foi talhada em tardes passarinheiras de sítio e lanche quentinho da avó, quando me embrenhava no mato ou na rede com um livro aberto no colo. Fica aqui o meu recado como quero que o meu texto seja reconhecido aqui. A infância da própria curiosidade pelo mundo.
André Ricardo Aguiar
Nasceu em Itabaiana, Paraíba, é escritor, editor e autor de livros infantis.