Um dia em sala de audiência, na efervescência de uma instrução processual, coletando prova sobre uma invasão de uma área urbana, passei a ouvir Severino, um dos promovidos invasores. Passei a qualificá-lo. Como sempre faço, perguntei seu nome, onde nasceu, sua profissão e o nome de sua mãe.
Foi nesse momento que ao ser indagado sobre o nome de sua mãe que me veio a informação dada por Severino: “Não sei o nome de minha mãe”. Retruquei: O senhor não se recorda o nome de sua mãe? Então, ele me respondeu: “Doutor, na minha certidão de nascimento não tem o nome da minha mãe, fui criado por uma senhora, que já faleceu. Tenho 80 anos de idade e nunca soube quem era minha mãe verdadeira, nem meu pai, nem meus parentes. A senhora que me criou, nunca me passou informações sobre isso, apenas falava que fui deixado na sua porta, mas ela foi uma mãe para mim. Sou filho do mundo. Sempre fui pobre, sem teto, fazendo um bico aqui outro ali, dormindo por aí”.
Após ouvir esse relato, olhei para o Severino e disse-lhe: A vida tem sido dura com o senhor. Ele com um olhar firme, replicou: “Doutor, tenho um quartinho para dormir, como meu feijão e arroz todos os dias, Deus é bom para mim. Sou feliz!”
As marcas registradas no rosto daquele homem, demonstravam os desertos, que desde o nascimento até os dias de hoje, ele enfrentou e conseguiu vencê-los. No altar dos seus 80 anos, mostrava-se forte, inabalável, perseverante e feliz, apesar de tudo já vivido.
Naquele momento, percebi que na vida é preciso reclamar menos, agradecer cada instante de vida, fazer da solidariedade um proceder contínuo da nossa existência. Não é preciso de muita coisa para sermos felizes. Aliás o excesso material, em sua grande maioria, sem dúvida, gera angustia, estresse, desarmonia, inquietações e desconfiança até da própria sombra. Quando morremos, deixamos tudo que é material, apenas o exemplo de nossa conduta, servirá para norteamento para os que ficam.
Severino, sem mãe, sem pai, sem parentes, desprovido materialmente, viveu e vive solto no mundo, seu patrimônio – a felicidade. É preciso caminhar sob a proteção de Deus e viver o simples, isso basta. ONALDO QUEIROGA – onaldorqueiroga@gmail.com
Onaldo Queiroga
Juiz da 5ª Vara Cível de João Pessoa e ocupa o cargo de juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba. Ingressou na literatura com o livro Esquinas da Vida e prosseguiu com Baião em Crônicas, Reflexões, Por Amor ao Forró, Crônicas de um Viajante, Meditações, Monólogos do meu Tempo; Efeitos, Homíneos e Naturais. Gonzagólogo - conhecer e colecionador da obra de Luiz Gonzaga.