Geralmente, antes de adormecer, deixo a tv ligada em baixo volume e fico escutando as notícias do dia. A colheita é ruim. A tragédia plantada no topo dos acontecimentos, assaca sua sonoplastia bizarra de tiros e gritos, do choro alto de um pai que me suspende do fundo de um cochilo e me faz levantar a cabeça, o coração aos pulos, o cérebro confuso tentando entender onde estou, com quem estou, como alguém pôde adentrar a casa se deixei a porta fechada?

A vigília empurra o sono pra longe, e, depois de sacar o controle e desligar a tv, fico pensando no jornalismo, esse objeto da minha paixão e do meu incômodo.

Sim, o jornamlismo dos nossos dias é violento. A cidade, o país, são mapeados em zonas de cobertura onde habita a criminalidade, o terror e de onde os repórteres espremem as cifras da morte em notícias e reportagens ruidosas e superficiais.

Me pergunto como podem os âncoras de tv manter o perpétuo sorriso, depois de terem narrado a notícia do vigilante esfaqueado, o fato terrível da menina de doze anos desaparecida há quase dois meses, os tiroteios da Maré Vermelha, no RJ, outros tantos tiroteios na bela cidade de Salvador.

Entre reflexões e cochilos, acordo de chofre, as cinco da manhã, escutando o canto dos pássaros. Me pego pensando numa pauta diferente. Uma pauta que traga a reportagem de como vivem os pássaros urbanos, onde fazem seus ninhos, como cuidam dos filhotes, como se protegem de balas e baliadeiras, se é que estas ainda são manejadas. E os pássaros do sertão, como estão se havendo com essa onda de calor?

De fato, estas seriam pautas para respirar, para descansar a cabeça, mas no jornalismo já não há lugar para esse tipo de notícia. O jornalismo tornou-se raivoso, “Histérico”, como diria Raquew Paiva. Tornou-se um bloco homogêneo, com todos os veículos cobrindo o mesmo do mesmo. ‘o conceito de notícia afunilou-se de tal maneira que na moldura do “agenda setting, notícia é aquilo que vem do eixo político de um lado, e toda a cobertura da violência que atravessa o país de ponta à ponta. As editorias permanentes, de cultura, economia, ciência e tecnologia, saúde, etc., mantêm-se firmes, feito monolitos previsíveis. A cobertura da cidade agenda o Brasil perverso, fraticida, exibindo a qualquer hora do dia, a banalidade do crime, da morte.

De repente me pego pensando com saudade em Gay Talese, ao tempo da sua excepcional carreira de mais de sessenta anos na imprensa norte americana. Atualmente Gay Talese está às voltas com problemas que envolvem a credibilidade de fatos e fontes, em seu último livro, “O Voyeur. A questão porém, não chega a empanar o brilho e a excelência da sua carreira de repórter iniciada nos anos 60.

Talese figura entre os melhores, senão o melhor jornalista do século XX. Digo mesmo que ele estendeu o conceito de notícia para tudo aquilo que espicaçasse sua curiosidade. E a sua curiosidade o levou a acontecimentos que a imprensa convencional jamais consideraria como notícia. Como afirmou Rogério Borges em E agora, Gay Talese? | ERMIRA (ermiracultura.com.br), “…A linha é tênue. Quem se aventura a escrever, corre riscos. Quem ousa fazê-lo equilibrando-se na fronteira entre realidade e ficção, é quase um suicida. É preciso ter coragem e cuidado extremo. Gay Talese, em 65 anos de carreira, desviou-se de todos os perigos nessa missão”.

Deixo aqui a dica, sobretudo para os jovens repórteres e estudantes de jornalismo: Leiam Gay Talese. Conheçam o seu escrutínio sobre fatos do cotidiano do cidadão comum de Nova Yorque, sua magistral entrevista/perfil sobre Frank Sinatra, feita a partir unicamente da observação dos passos do astro, que se negava a receber o repórter.
E os grandes repórteres do Brasil? Sim, eles existiram. Joel Silveira, Audálio Dantas, Gonzaga Rodrigues, e antes de todos, no início do século XX, João do Rio.

O jornalismo atual sofre de asfixia, e nos asfixia a todos. A pressa, a velocidade, a instantaneidade precisam de um freio. Há que se olhar para os pássaros, para as flores teimosas que brotam nas falhas das ruas, para os dois mendigos de mãos dadas, sorrindo indiferentes para a inclemência do mundo. Pautas para respirarmos, como fez por tanto tempo a curiosa narrativa de Gay Talese.