A vida sempre foi feita de momentos. Comecei a perceber isso ao lembrar de fatos vividos e que jamais serão repetidos por fazer parte de um determinado tempo.

Desde que me dei conta de que não existe o vácuo perfeito e que não há ferramenta científica capaz de estagnar o tempo, observei também que não existe espaço vazio dentro do Universo. Além disso, habita em cada ser humano o seu próprio mundo. Por mais que você conheça profundamente uma pessoa jamais conseguirá saber o que está armazenado em seu inconsciente invisível e intransferível.

Vivemos a perfeição materializada em um corpo que pulsiona constantemente emoções e sentimentos, porém cada qual de sua forma.

O corpo humano é perfeito e dono do seu próprio tempo. Através do cérebro, são emitidos sinais orientando nossos desejos, avisando quando você sente fome, sede, sono, desejo sexual e até aquela vontade de tomar uma cerveja esperando uma lua por vir, para intencionalmente brindar o que está guardado no templo de nossa emoção. Tudo dentro do tempo que o cérebro determina. Infelizmente a chegada da Era Industrial, impôs ao homem horários, cronometrando e enquadrando o nosso próprio tempo.

Desde 3.000 a.C., já existia o calendário lunar criado para orientar o plantio e a colheita na Agricultura baseado na rotação do sol e da lua. Mil e quinhentos anos depois, foi criado então o Relógio do Sol, até que em 725 d.C. surgiu o primeiro relógio mecânico. A partir daí o homem criou instrumentos para controlar o tempo, além da ampulheta e do calendário, o relógio fez com que a Humanidade fosse robotizada e escravizada pelo “tic-tac” de sua própria invenção.

Como isso o tempo foi obrigado a se adaptar ao sistema obedecendo a segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos. Foi estipulado entre outras regras, horário do café matinal, do almoço, jantar, hora do trabalho, dormir, indo de contra as necessidades naturais do corpo humano.

O nosso organismo foi preparado para ser livre e não ser obrigado a cumprir horários. Deveríamos dormir na hora da chegada do sono, se alimentar na hora da fome, beber quando tiver sede.

Uma das histórias mais inusitadas em relação a isso, aconteceu comigo quando ainda criança e cursando o Jardim da Infância no Colégio Nossa Senhora de Fátima, em Campina Grande. A professora monitorava o horário das crianças irem no “quartinho”, como era chamado o banheiro na escola. Ela ficava com a chave e só se poderia ter acesso com sua autorização. Geralmente na hora do recreio ela levava as crianças para fazerem as suas necessidades. Não lembro o que comi na lancheira que sempre trazia de casa, mas o fato é que, logo que a campainha tocou e voltamos para a sala de aula, recebi o primeiro sinal de que algo não ia bem com o meu estômago. Comecei a passar mal. O segundo sinal já anunciava que a qualquer momento a situação poderia se agravar. Pedi a chave do “quartinho” a professora várias vezes, e ela negava dizendo que “a hora do ‘quartinho’ teria sido no recreio e que eu preferi ficar brincando” – me julgando errado. Comecei a suar frio e no terceiro sinal já não tinha como segurar o “barro” que estava a caminho do terminal do cóccix. Ainda pedi pela última vez a chave que dava acesso ao banheiro ao mesmo tempo, em que ameacei fazer ali mesmo. Ela não acreditou e estipulou em 10 minutos a liberação da chave. Não tive dúvidas e descarreguei diante dela toda minha insatisfação. A aula naquele momento foi interrompida, e os alunos liberados mais cedo. Além do mais a professora foi obrigada a limpar os dejetos, enquanto a diretora lhe “puxava as orelhas” em um visível constrangimento. Esse talvez tenha sido o meu primeiro protesto contra o sistema de horários que nos foi imposto.

A bem da verdade, quem tem hora não tem tempo. Quantas e quantas vezes você rejeita algo que gostaria de fazer, mas é impedido por uma reunião agendada, uma hora marcada no dentista, ou mesmo ter de sair no melhor da festa porque tem que acordar cedo no dia seguinte.

Eu sempre tentei seguir o tempo, mas nesse mundo capitalista e cheio de horários é impossível não estar atrelado a ele. Mesmo sabendo que o tempo é o dono da razão, vivemos aprisionados a horários e agendas.

O tempo na verdade, é liberdade e a hora prisão.

Ao escrever este artigo lembrei de um rock que compus nos anos 80, quando morava em Santa Tereza no Rio de Janeiro.

Ainda que tarde, vale a pena lembrar os versos do que na época tanto me incomodava e até hoje aprisiona o meu tempo.

Transcrevo, portanto o que virou conceito em meu pensamento, mas que nem sempre consigo fazê-lo novamente:

Quem tem hora não tem tempo
Quem tem tempo não tem noção
Se ligue no momento
Não pergunte que horas são

Em tempo: no dia 24 de fevereiro de 1582, o Papa Gregório XIII decretou uma mudança na contagem do tempo. O documento criou o Calendário Gregoriano para ajustar o ano civil ao ano solar, período que a terra leva para dar uma volta ao redor do sol. Foi estabelecido também que o Ano I da Humanidade fosse a data do nascimento de Cristo. A pergunta é: se a Terra tem quatro bilhões e quinhentos milhões de anos, o que ficou para trás, antes de Cristo, foi engolido pelas horas ou se perdeu no tempo?