Tenho poucas certezas na vida. Uma delas é que uma cidade se torna menos civilizada quando perde um teatro ou qualquer equipamento de arte e cultura. Foi o que me ocorreu quando cheguei ao Teatro Ednaldo do Egito e vi uma placa anunciando sua venda. Será que estamos assistindo o sepultamento de um ideal? Quem guardará o sonho do operário do teatro paraibano que foi Ednaldo do Egito?
O fato é que o Teatro foi colocado à venda. Não importa o valor inestimável da sua memória. Eis a péssima notícia que trago hoje da cidade de João Pessoa. Uma cidade vocacionada para a cultura e para as artes e que tão pouco se preocupa com sua maior vocação. A verdade é que ostentar o título de Cidade Criativa concedido pela UNESCO e assistir passivamente o extermínio de um território criativo pega mal.
Ednaldo construiu esse teatro praticamente tijolo por tijolo numa cidade que ainda hoje não tem o seu teatro municipal. Agora estamos diante da possibilidade concreta de uma subtração irreparável para a cidade. Essa Casa tem sobrevivido com imensas dificuldades, reconhecemos. Um teatro que já deveria ter sido adquirido pelo poder público. Quem tal um consórcio entre os governos do estado e do município?
Sábado estive lá. Fui assistir mais um espetáculo da Cia Oxente. “Maria’s” é um texto de profundas reflexões que recomendo. Um monólogo encenado pela grande atriz Mônica Macedo e dirigido por Antônio Deol. O clima é de apreensão. Paira uma sensação de fragilidade diante dos poderes da especulação imobiliária. Não nos enganemos. O Teatro Ednaldo do Egito está seriamente ameaçado e pode desaparecer em breve.
Coisas lindas acontecendo por lá ainda, mas da ribalta já ecoa esta ameaça sobre um patrimônio artístico da cidade. Não se justifica o silêncio oficial sobre o assunto. Ainda que as demandas sejam muitas e as tarefas, sempre intransferíveis. O Teatro Ednaldo do Egito está à venda e isso não apenas nos entristece, mas sobretudo nos envergonha e alerta. O que está posto exige dos movimentos culturais uma mobilização imediata e das autoridades uma atitude para que a cidade não seja tão tristemente subtraída.
Precisamos provocar a Secretaria de Cultura do Estado, a FUNJOPE e os demais órgãos e instituições cuja razão de existir é dar sustentação aos equipamentos e produções artísticas e culturais. Vivemos um momento favorável. Na eleição houve reação importante ao neofascismo que vê na arte uma força inimiga. O que impede a imediata retirada da placa de venda? Ednaldo não construiu um teatro para que décadas após fosse substituído por um supermercado, um arranha-céu ou uma igreja.
O teatro foi inaugurado em 1995 e se manteve enquanto trincheira de resistência mesmo após a morte de Ednaldo do Egito, em 2002. As dificuldades sempre foram imensas, mas as soluções sempre existiram. Em 2007 um convênio com a Prefeitura Municipal garantiu fôlego ao teatro por muito tempo. Onde anda este convênio? O momento de reagir é agora. Hoje, nesse exato instante. Amanhã pode ser tarde demais.
A ameaça ao prédio número 284 da avenida Maria Rosa bate em nossas portas. Quanto custa o silêncio de quem deveria estar pautando essa causa? O que o prefeito Cícero Lucena e o governador João Azevedo, tão mui amigos, pensam sobre o que está acontecendo? Eles sabem que pesa sobre seus ombros a responsabilidade de agir ou acovardar-se diante dos fatos? A palavra está com eles e a classe artística aguarda uma definição imediata.
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Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.