Nem me lembro mais quando exatamente o conheci, mas faz mais de três anos que ele me foi apresentado como sendo uma pessoa de muito valor, um homem rico, de excelente oratória e conhecimentos gerais… me iludiram. Tirando a parte da perfeita oratória, o restante era fake news. Isso mesmo – uma fachada pintada a cal.

O Merreca não é tímido. Antes fosse. Fala uma bobagem atrás da outra, mas com a voz empostada e ótima dicção.

As roupas que usa são de marcas importadas, sapatos italianos e às vezes usa até uma gravata para parecer importante. Chic que só vendo. Não sai de casa sem se perfumar e se olhar no espelho para dar aquela última ajeitada no cabelo.

Seus sapatos na verdade foram fabricados em Franca e exportados para a Itália, mas ele mandou vir da Itália para o Brasil, só para ter na nota fiscal um endereço de Roma.

Não duvido nada se ele não troca as etiquetas das roupas para mostrar algum status. Status pelatus, como sabemos.

Depois que ele vendeu o carro, cismou de andar de carro alugado. Um econômico de segunda à sexta e uma camionete 4×4 aos finais de semana, quando sai a visitar os parentes e amigos.

Come mal, o coitado. Come o pão que o diabo amassou, mas é do tipo “come jiló e arrota lombo”. Você já deve ter visto gente assim na sua vizinhança ou no local de trabalho… em todos os lugares há alguém que se parece com o Merreca, mas não é ele. Ele fila comida aos domingos na casa da sogra. Enche ela de elogios para poder levar uma marmitinha pra casa, que ela faz, mas pensando nos netos.

Nas festas ele é o centro das atenções. Faz relatos de viagens que ele não fez, mas que aprendeu nos guias de viagem que ele tem em casa e gosta de ler quando vai ao banheiro. Não perde nenhum casamento, festa de 15 anos, com buffet farto. E lógico, a marmitinha básica para levar para casa para sua esposa que não pode ir por conta do filho ou da filha que não sai de casa por causa da sinusite ou de uma febre. Pura invenção. Dali ele costuma até ir para a casa de uma amante, que caiu na sua conversa de vendedor.

A comissão sobre as vendas é boa, mas ele administra mal. Gasta antes de receber, não faz nenhuma reserva e vive endividado e com esse hábito de parecer ter mais do que tem de fato, a dívida vem se acumulando com o tempo e aos poucos vai derretendo o patrimônio da família, da família da esposa, é claro.

O dinheiro da venda do carro ele deu de entrada num lote em um condomínio fechado. Vai construir uma casa e ficar livre do aluguel. Toda a família gostou do lote e da ideia de se mudar pra lá, menos a sogra, que ficou resmungando baixinho umas palavras que não deu para ouvir, mas parecia ser uns palavrões com aquela expressão de desconfiança que ela mantinha em relação ao genro.

Dali a poucos anos, a velha morreu e deixou sua herança para os netos, com usufruto dos filhos.

Não tendo mais de onde retirar dinheiro, sugeriu que sua esposa voltasse a trabalhar enquanto era jovem. Ela havia se formado em Educação Física e poderia dar aulas e ajudar nas despesas domésticas.

As crianças já estavam na escola e ela poderia pegar um serviço de meio experiente, enquanto durasse as aulas dos meninos.

Ela viu que não havia outra opção a não ser essa de voltar ao mercado de trabalho e mesmo sem querer, acabou por  ceder às exigências do marido.

Moraram na casa do condomínio até os filhos completarem 18 anos, data que coincidiu com o desemprego do Sr. Merreca.

Aí não teve outro jeito a não ser convencer os filhos a vender a casa onde moravam, voltar para o aluguel e pagar as dívidas. Com o pouco que sobrou, comprou um carro e foi ser motorista de aplicativo, de uber, eu acho.

Todos os dias, bem cedinho, ele vai até a garagem lavar o carro, passar uma cera e dar aquele brilho, do mesmo modo que fazia brilhar os seus sapatos de Franca vindos de Roma.

Ouvi dizer que ele adora pegar passageiros no aeroporto e ficar contando uns casos de viagens que fez pelos Estados Unidos e ainda lhes mostra um chaveiro com a bandeira dos EUA que foi presente da sogra e uma foto que fez com a estátua da liberdade tirada diante de uma das lojas da Havan.

Rosa Alves – é mineira radicada em João Pessoa desde 2019. Trabalha em seu Atelier desenhando, pintando e escrevendo poemas e histórias para diferentes públicos. Já publicou em revistas literárias, coletâneas e livros didáticos, seus textos e ilustrações. E tem 4 cordéis de sua autoria. Participa do movimento Mulherio das Letras e do Clube do Conto da Paraíba. O conto “Seu Merreca” é parte do livro Gaiola do Vento a ser lançado em 2024.