Ei, menino, vem cá!

Chamou Dona Ofélia, a esposa de Rudá, um empresário falido. O menino veio. Ela perguntou se ele aceitaria juntar a folhagem de seu quintal, de todo aquele quintal. Aceitou. Por quatro moedas e uma xícara de chá.

Era verão, as folhas não parariam de cair e por causa disso, antes que o menino fosse embora, Dona Ofélia pediu que ele voltasse dali a três dias. As finanças naquela casa estavam em ruínas, mas Rudá havia pedido um empréstimo ao banco e as esperanças de que ele conseguisse até que existiam.

Na casa moravam ainda o pai de Dona Ofélia, chamado Senhor Erasmo, dois caseiros que não recebiam alguma remuneração há meses, mas que também não tinham para onde ir, um cachorro cego de um olho e muitas formigas.

Dias contados a dedo e o menino retornou. Trabalhou com afinco a ponto de, sem demoras, acabar o serviço e logo correr até a varanda para aguardar seu pagamento.

Casa adentro, a mulher do empresário escolhia um livro no escritório. Do lado esquerdo da varanda uma espreguiçadeira. No meio da varanda um par de olhos cansados. Dona Ofélia, então apareceu com um livro entre suas duas mãos e seu busto.

É o Pequeno Príncipe, de SaintExupéry. Espero que me entenda, hoje não posso pagar a dinheiro. Passe na cozinha antes de ir, tem pão de queijo que eu fiz. E volte no mesmo prazo, não se esqueça.

Ele não esquecia. A cada três dias retornava, limpava o quintal e ela pagava, como sem falta, a moedas literárias: Romeu e Julieta, Meu pé de laranja lima, Memórias a bordo, O voo da guará vermelha…

A mulher do empresário e o cachorro de um olho cego tinham amizade pelo menino. Mas os caseiros perceberam um comportamento suspeito nele e quando certa noite estavam comentando em segredo sobre isso, Rudá acabou escutando.

Eu vi! Aquele menino enterrou alguma coisa no quintal.

Escuta: Ele tem pai? Tem mãe?

Como é que eu vou saber? Acho que é melhor a gente ir lá cavar para ver o que é. E se for um corpo? Ou algo roubado?

Credo! Ele não tem cara de assassino não e nem de ladrão.

Eu estou dizendo: temos que cavar para saber o que é.

Naquele momento, Rudá se fez visível para os caseiros a fim de mostrar que tinha ouvido toda a conversa e então pediu a eles que chamassem Dona Ofélia e o Senhor Erasmo e contassem tudo o que haviam presenciado. E assim foi feito, entretanto, todos ficaram sem saber o que fazer.

Cavar o quintal? Chamar a polícia? Ou simplesmente perguntar ao menino o que havia escondido? Que segredo era aquele que guardava embaixo do quintal? No fim, decidiram que esperariam ele cavar outra vez para esconder ou retirar alguma coisa e então flagrariam seja lá o que fosse. Para isso todos se comprometeram a ficar de tocaia.

E o menino veio, limpou o quintal. E não fez mais nada. Dias depois, retornou, limpou o quintal e recavou o buraco no chão e jogou algo lá. Rudá percebeu.

Ei, menino, o que está fazendo? Ofélia! Ofélia!

E os caseiros correram até lá, Senhor Erasmo e o cachorro também. Ficaram ao redor do menino e daquele buraco. Dona Ofélia foi chegando derradeiramente, afastou com as mãos o pai e o marido que estavam a sua frente e olhou para dentro. Daí o menino começou a chorar, desesperado, enquanto isso Dona Ofélia foi apanhando, de um em um, os livros que havia lhe dado, quando acabou, olhou para ele e perguntou: Por quê? Foi quando envergonhado e inocente, o menino confessou:

Dona Ofélia, eu não sei ler!

 

 

 

Romarta Ferreira é alagoana. Mora em João Pessoa desde 2009. Foi acolhida pelo Clube do Conto da Paraíba.  Participou da antologia Contos de Sábado e da coletânea Ventre Urbano. É uma das organizadoras e participante da mais recente coletânea do Clube do Conto, Porque hoje é sábado.