Abriu o baú e revirou tudo, procurando uma fantasia que valorizasse suas curvas e abundâncias. Nem tinha tanto tempo, mas cada peça que pegava lhe trazia à memória uma alegria ou desilusão, e com isso perdia uns bons minutos revivendo tais experiências, a maioria dos tempos que teve Lucio como companheiro. Algumas lhe marcaram por demais, como a fantasia de odalisca, vermelha, rebordada com missangas douradas, as mesmas que soltaram das prisões das linhas nos repuxos alvoroçados a que Lucas, bêbado, ao final da festa, lhe submetera, impaciente para lhe despir, mal adentraram o apartamento. Um misto de ciúme e desejo que lhe afetava mais como punição que como paixão. Ficou a se perguntar por que ainda guardava aquelas malditas peças, já que tinha se desfeito de praticamente tudo que fosse vestígio daquela relação doentia.

​Lamentou mais uma vez ter se envolvido ao ponto de viver aquela dependência emocional em detrimento de seu amor próprio, mas suspirou e deu graças por ter sobrevivido ao tsunami que a separação lhe causou. A custo, após traições, abusos e indiferenças, o amor platônico se transformou em ódio, fomentado pela crise financeira causada pelo desfalque nas suas economias e disso ela sabia que tinha culpa por ter confiado suas finanças a uma conta conjunta. Ah como fora inocente, ou melhor, cega!

​Mais uma mexida no baú e se vê maravilhosa, vestida na roupa preta de feiticeira. Collant com lantejoulas reluzentes e saia dupla translúcida e esvoaçante. Tinha muito se programado para aquela festa, pintado as unhas de roxo, no mesmo tom das mechas que fez nos cabelos e se sentia deslumbrante em cima de um salto de 10 centímetros. Só não esperava que no meio da festa, enquanto todos dançavam animados, Lúcio fosse lhe aprontar uma crise de ciúmes, insistindo que ficasse sentada, pois “estava chamando muito a atenção”. Foi o suficiente para frustrar toda a sua expectativa de diversão. Saíram da festa à francesa, ela muda, tamanha era sua indignação e sentimento de opressão, constrangimento e infelicidade. Claro que ele já tinha tomado todas e ao chegar em casa arriou bêbado no sofá.

​Foi naquela noite que ela decidiu dar um basta na relação. No dia seguinte, como de costume, ele discorreu seu discurso de Madalena arrependida, pedindo desculpas pelo acontecido. Ficou a pensar: Ah, como gostaria que fosse hoje… sem remorso algum, iria usar seu conhecimento sobre fitoterapia e o acesso a todas as ervas que tinha em suas pesquisas e o ofereceria, como aceitação do seu pedido de desculpas, um chá que certamente o deixaria bastante sereno. E assim, convicta de que aquelas situações realmente não mais aconteceriam, faria com que o clima de mistério da noite de halloween perdurasse em suas vidas.

Rejane Cruz é paraibana de Cajazeiras/Paraíba, residente em João Pessoa. É odontóloga, casada e mãe de três. Com poemas publicados em várias antologias, tem se dedicado também à escrita de contos, após ser acolhida, como integrante, pelo Clube do Conto da Paraíba.