Mulherio das Letras em expansão no RN reforça o histórico de pioneirismo potiguar feminino em movimentos sociais

Se olharmos as páginas da História, o Rio Grande do Norte sempre se mostrou palco de lutas e de mudanças sociais protagonizadas por mulheres na política e na cultura.

Em 1825, após resistir bravamente à ocupação portuguesa em Apodi, liderando um grupo de guerreiros Tapuia Paiacu, a indígena Luiza Cantofa foi assassinada na cidade de Portalegre-RN.

Em 1875, Ana Floriano, uma jovem de 15 anos de idade, liderou um levante feminino ao lado de 300 mulheres, em Mossoró, que se opuseram ao alistamento obrigatório de seus filhos, ou noivos, ou maridos.

Em 1880, na cidade de Assú, já existiam pessoas escravizadas libertas, fruto da iniciativa da Baronesa de Serra Branca, Belisária Lins Wanderley, antes da Lei nº. 3.353 de 1888, conhecida como Lei Áurea.

Em 1927, foi registrado o voto da primeira eleitora do Brasil e da América Latina, Celina Guimarães Vianna, uma natalense que não só traduziu as regras do futebol como também foi a primeira mulher a exercer a arbitragem em partidas, embora não seja reconhecida historicamente pela Fifa.

Em 1928, Alzira Soriano foi eleita para o município de Lajes, no Rio Grande do Norte, tornando-se a primeira prefeita na América do Sul com um particular detalhe: 60% dos votos de eleitores masculinos. Nesse mesmo ano, mais um protagonismo nosso: Joana Cacilda de Bessa foi eleita vereadora na cidade de Pau dos Ferros.

Esses e outros exemplos reforçam a ideia de que o RN possui um histórico de pioneirismo potiguar feminino em movimentos sociais. Herdamos muito mais do que conquistas, carregamos como tocha o legado e a energia dessas mulheres que nos antecederam. Essa é a força que nos move.

No campo das Letras, cientes de que o mercado editorial ainda é majoritariamente dominado por homens, seguimos em busca de reconhecimento pelo nosso trabalho literário. É nesse contexto que o coletivo Mulherio das Letras tem crescido em terras potiguares, sob um objetivo que soa como missão: dar visibilidade ao trabalho das mulheres no mercado editorial, em colaboração umas com as outras.

Quando pensou esse movimento, Maria Valéria Rezende tomava um café com Conceição Evaristo lá pelos idos de 2016, na Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip. Ambas dividiram as angústias sobre os desafios da escrita autoral feminina perante o sistema literário brasileiro. Estava sendo gestado naquele momento o Mulherio das Letras.

Em 2017, o coletivo foi efetivamente criado. Em várias entrevistas, Maria Valéria Rezende reforça que esse mover de mulheres é horizontal, isto é, não há uma hierarquia, nem ela mesma se autointitula assim, mesmo tendo criado o movimento. Suas falas deixam bem claro que esse ajuntamento de escritoras possui um caráter reivindicatório, visto que as mulheres buscam reparação histórica. É certo que os grupos, a título de organização, planejamento e funcionamento, possuem articuladoras, porém tudo é decidido coletivamente.

De lá para cá, o movimento se ramificou em regionais, de forma que quase todos os estados brasileiros possuem uma representação. No Rio Grande do Norte, contudo, está atualmente fazendo jus ao sonho de sua idealizadora: tem se multiplicado em municípios – fato que a deixou entusiasmada pelo seu legado que se estende e cria raízes, inspirando mulheres.

A razão para a criação de novos grupos se dá pela necessidade da organização de escritoras em seus espaços geográficos com dinâmicas e especificidades próprias. Para apoiarmos o trabalho de mulheres, precisamos organizar, mapear, catalogar e divulgar, não mais permitindo que as vozes autorais femininas sejam esquecidas, apagadas ou silenciadas. É dentro de um mar de mulheres que se faz revolução. Se, um dia, o mar virou sertão, chegou a hora de o sertão virar mar.

Atualmente, os grupos estão assim constituídos com suas respectivas fundadoras/articuladoras:

Mulherio das Letras Nísia Floresta, fundado em 29 de setembro de 2017, pela escritora Rejane Souza, na cidade que dá nome ao coletivo e carrega o nome da primeira feminista do RN, Nísia Floresta; Mulherio das Letras Zila Mamede fundado em dezembro de 2019, pela produtora cultural e escritora Carla Alves, na cidade do Natal; Mulherio das Letras Indígena, gestado em 5 de setembro de 2021, após uma conversa entre a escritora Eva Potiguara e várias escritoras que participavam da II Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, e fundado em 20 de fevereiro de 2022, em Natal, porém com um caráter articulador nacional; Mulherio das Letras Madalena Antunes, fundado no Dia Nacional do Escritor, em 25 de julho de 2025, na cidade de Ceará-Mirim, pela escritora Maria Margareth da Silva Pereira; Mulherio das Letras de Parnamirim, ainda em processo de escolha do nome da escritora parnamirinense que será homenageada pelo grupo, fundado ontem, 21 de agosto de 2025, pela escritora e pesquisadora Tereza Cristina Félix de Andrade Silva, cuja sede funcionará no Prédio da Universidade Aberta do Brasil – Na ocasião, estiveram presentes Eliza Christina Toscano de Mendonça Brito, Secretária de Educação de Parnamirim, e Heloisa Chagas Maia de Camargos, secretária adjunta; Mulherio das Letras Mossoró, nos preparativos para a criação, prevista para outubro de 2025.

Diante disso, que venham novos coletivos para movimentar esse mar de escritoras. Como bem falou a sua Musa criadora, “A única coisa indispensável é o sonho”. Aos poucos, as mulheres potiguares sonham e transformam em realidade o trabalho literário, mostrando o quanto nosso estado é um nascedouro cultural.

 

Kalina Paiva – Natural de Natal/RN, é professora e pesquisadora do IFRN, autora de poesia e contos de terror. Poeta e contista, é membro do Mulherio das Letras Nísia Floresta, da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte (SPVA/RN); da União Brasileira dos Escritores (UBE/RN).