Maria Quitéria de Jesus, você que foi uma baiana arretada, corajosa, destemida, resiliente, mesmo tendo nascido no interior do Estado, em Feira de Santana, sem estudos, analfabeta, enfrentou as dificuldades da vida pessoal e da social como somente os fortes fazem, vencendo assim, todos os obstáculos, muros e paredões, fossem eles os da pobreza, do preconceito ou dos sofrimentos de uma menina que perdera a mãe muito cedo e o pai logo casara, colocando em sua casa uma madrasta para que com ela convivesse.

Talvez por esse motivo você tenha passado a maior parte do tempo longe de casa, na rua, e graças a isso, aprendeu atividades valiosas, permitidas, na época, apenas aos homens, uma vez que vivíamos em uma sociedade patriarcal, portanto, machista, na qual à mulher, eram permitidas apenas as prendas domésticas, como cozinhar, bordar, costurar. Fugindo desse padrão, aprendeste muito bem a andar a cavalo e a manejar armas de fogo. E isso te daria a liberdade que as mulheres da época nem sonhavam ter.

Inteligentemente, na Guerra do Recôncavo ou Guerra da Bahia, viste a oportunidade de pôr em prática suas habilidades com as armas. Pediu autorização ao pai para alistar-se no Exército Brasileiro, mas o pedido foi negado. Encontraste então uma saída: cortaste os cabelos bem curtos, vestiste como homem e te alistar-te no Exército com nome falso, usando os documentos do teu cunhado, e assim ficou conhecida como o soldado Medeiros, melhor dizendo, o valente soldado Medeiros.

Foste uma heroína na Guerra. Serviste primeiro no Regimento de Artilharia, sendo depois transferida para o Batalhão dos Voluntários do Príncipe. Dentre os confrontos confrontes dos quais participastes, está a batalha do rio Paraguaçu, onde lutaste com água na altura do peito. Em assim continuaste lutando, até mesmo depois que o major José Antônio da Costa Silva e Castro ficou sabendo da sua verdadeira identidade, mesmo surpreso, ele não te afastou dos campos de batalhas.

Infelizmente, Maria Quitéria, o mundo não mudou, acho que continua igualzinho, ou até pior, porque as pessoas não evoluíram no quesito de respeitar e amar o outro, o seu semelhante, independentemente de cor, religião, sexo, status social. Muitas mulheres continuam sofrendo todo tipo de violência. Não só as mulheres, infelizmente, as crianças também, especialmente aquelas, que como você perdem, muito cedo os pais, e uma outra pessoa é colocada na família, praticando com elas todo tipo de abuso, de violência.

Presenciamos esses acontecimentos todos os dias, transmitidos pelos jornais do nosso país, e o mais aterrador desse cenário, é que esses fatos não ocorrem apenas nas capitais, nos grandes centros urbanos, mas também no interior, nas pequenas cidades do nosso país. Vivemos, Maria Quitéria de Jesus, todos os dias, guerras piores do que a do Recôncavo.


Francisca Vânia Rocha Nóbrega

É membro da UBE (União Brasileira de Escritores) e da REBRA (REDE DE ESCRITORAS BRASILEIRAS); mestre em Letras pela UFPB. Formada em Letras pela UFPB, possui quatro Pós-Graduações: Linguística, PROEJA e Direitos Humanos, pela UFPB e Fundamentos da Educação pela UEPB. Tem quatro livros publicados: Ponto e Contraponto: Releituras; Das Palavras à Imagem Fílmica: A Cartomante Pelo Viés da Psicanálise; Tecendo Poemas nos Ecos do Eu; Eu e as Borboletas nas Asas do Vento, além de vários artigos publicados em coletâneas, como: Entrelaços: Diálogos entre Sujeitos; A importância do Ato de Ver; O sujeito (o)culto da Educação; Educação, Um Encontro com o Outro; Contextos e Práticas educacionais; Educação e Visualidade: A Imagem como objeto do Conhecimento, entre outros. Tem artigos publicados na Revista Compartilhando Saberes.