Normalmente confundida com a solitude, “lasolitudine, a solidão, essa que é considerada pela OMS, de certa forma, como um dos três infortúnios do século 21, tem alcançado almas que, nem se sabiam bem dispostas a cair nos braços e no compasso da dança da solidão” (Marisa Monte). Mas, quem foi que disse que quem fala de amor, de liberdade e até mesmo de solidão, solitária, acompanhada, voluntária ou não é porque os tem de sobra, ou neste último caso, porque a quer por companhia? Trazer à tona questões tão pontuais do viver, sobretudo a última citada, pressupõe o reconhecimento daquilo que elas são, o que representam e o que podem mover, para mais ou para menos, em cada um de nós.

A solidão que, em quase pé de igualdade com a temática do amor, tem sido pano de fundo para tantas criações artísticas, nas mais variadas linguagens humanas: literatura, música, cinema, artes plásticas, dentre outras, ao longo dos séculos, já foi vista tanto como “ausência de energia ou de ação” (ESTÉS, 2018), quanto como depressão, por abandono de terceiros, ou ainda, como fuga do convívio social, por medo de se relacionar. Afirmaram também que “estamos todos numa solidão e numa multidãoao mesmo tempo” (Zygmunt Bauman), fato que nos é, facilmente detectável, se bem identificarmos, sobretudo, nas grandes aglomerações, nas praças de alimentação dos Shoppings, reconheceremos um dos desdobramentos oufacetas da solidão, a dita “solidão acompanhada”, aquela de corpo presente e celular na mão, mas com as boas intenções no chamado “além do horizonte”.

Embora sejam múltiplas as facetas desse sentir humano, que emerge dos vários polos da vida existência, e que muitasáreas do saber humano: a teologia (religião), sociologia, psicologia (psiquiatria), filosofia…, já tentaram explicar, esclarecer, elucidar, segue a sensação de que, compreender e (re)configurar os sentimentos, a exemplo deste que nos chega, ou que decidimos voluntariamente convocá-lo, independente do que quer que seja, segue sendo, um dentre os maiores desafios humanos.

Contudo, (re)ver a vida sob outras perspectivas nos parece uma assertiva de primeiríssima necessidade. Basta um exercício, aparentemente simples, a exemplo de apreciarmos o céu para, se em ressonância conosco, nos identificarmos com as acontecencias entre os seres viventes, a exemplo do que se observa dos passarinhos, nos fios de alta tensão ou em voo livre no céu, a desfilarem sobre o nosso curioso e reflexivo olhar.   É justamente nessas “horinhas de descuidos” providenciais que percebemos nossas semelhanças e diferenças e, imediatamente,reconhecemos que um ser é espelho do outro. E é com isso que a imagem beija ou fere” (LUCINDA, 2019).

Assim, quando os fios da vida, sem aviso prévio, são submetidos aos grandes vendavais, aos pássaros que neles (re)pousam, aos pares ou não, resta-lhes, tão somente, confiar em suas próprias asas e, com a latência de sua intuição, com o minúsculo coraçãozinho a latejar no peito, alçar voos incertos na esperança de realinharem-se, um pouco mais adiante e (re)configurarem as necessárias rotas de seu novo voar. Logo, em muito, tão semelhante ao que ocorre no transcurso vivência da solidão humana, seja ela solitária, acompanhada ou voluntária, esta que, desde outrora, já nos apontara o caminho de dentro, como a trilha mais segura a ser seguida, sempre que necessário.    

No entanto, também afirmou que “A solidão é fera. A solidão devora. É amiga das horas, Prima irmã do tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos. Causando um descompasso no meu coração” (Solidão – Alceu Valença), que a solidão acompanhada, a solidão a dois é tão constrangedora!” […] “que eu acho nada a ver” (LUCINDA,2019), e ainda que, quando posta no plural, transposta a linguagem cinematográfica, as “Solidões” (Filme de Oswaldo Montenegro, 2013), se apresentam como significativas experiências vivenciadas, por sujeitos que tiveram seus destinos cruzados, nesta dança. Desta outra perspectiva, a da positivação da solidão, vale a ênfase de que, há ainda a opção da solidão voluntária, aquela que, no cerne da “tradição mística desde os tempos imemoriais”, desejava que fizéssemos perguntas e ouvíssemos os conselhos de nossa alma. Sendo que, para isso, seria necessário, “invocar a alma” e, por meio de nossas inclinações, nos permitir as “convocações psíquicas que chamam a alma da sua morada até a superfície” (ESTÉS, 2018).

Tudo isso posto, na solidão voluntária, como apresentada por Clarissa Pinkola Estés (2018), o convite chamamento para o (re)encontar-se consigo mesma, uma vez aparadas as arestas das distrações cotidianas, independente do modo e do lugar utilizado para alcançar tal objetivo, posteriormente, se alcançaria o estado de jorrar-se em criações, artísticas ou não, “a partir do self intuitivo”, o que a meu ver, teria a mesma força de atração que tem o mar, quando em toda sua plenitude e encantamento, em sussurros de águas fluídicas, chama os navegantes a lançarem-se, com seus mais distintos objetivos e tipos de embarcações.  

E deste ângulo de possibilidade, o mar, aqui tomado enquanto metáfora da vida, é simultaneamente, único, uno e múltiplo, justamente por todas as formas de acolhimento, beleza, magia e mistérios que possui e que é capaz de (re)unir enquanto cumpri com seu venturoso destino de ser mar.    

Então, caríssim@s, enquanto identifico se há e qual seria a bendita da solidão que poderia me habitar, eu vos indago; de que tipo seria a vossa solidão, a solita, a do meio da multidão, a acompanhada emparelhada, ou aquela autorizada voluntária?. Ou será ainda, daquela no estilo aAgnaldo Timóteo (A casa do Sol Nascente|1965) ou a lá Laura Pausini (La Solitudine|1993)?. Deixo-as a cargo de vossa definição, se acaso, de uma delas fores freguês(a). Mas, se ela te for estranha, ao menos isto terá lhes servido para desconfiar das alheias, e seguir, quem sabe, se não evitandoas, caso as veja, apenas, pelo viés do descompasso, mas desvelando modos de, em sendo necessário, bem dialogar com ela, se por ventura ela piscar para você ou em distância lhe acenar, de lenço amarelo à mão!  

No entanto, se por ventura, ela vier de fato lhe visitar, convide-a a sentar-se confortavelmente, com ela tenha um tête-à-tête sincero, tome um trago e, educadamente dialogue, performe sua capacidade de ser mais ouvido do que boca.Diga-lhe que, em vosso lar, por elegância, fineza e consciência ancestral desperta, sim, que se recebe a solidão, não como moradora definitiva, mas, na condição de hospedevoluntária, uma vez que, desta perspectiva, ela (a solidão) não é desoladora das alegrias do viver, mas um tesouro de provisões selvagens a nós transmitidas a partir da alma” (ESTÉS, 2018).

Então, caríssim@s, aí em tua casa vida morada, a solidão é apenas um vocábulo, é (des)contentamento, é opção para conexão consigo mesma ou o que mais é ou pode ser?.    Por fim, longe deste escrito ser um tratado de verdades irrefutáveis, este é um convite à solidão voluntária, aquela que durará o tempo que determinares, aquela na qual “devemos usar a mente para convocar o self da alma”, desconectando-se das distrações, gestando um silêncio restaurador no qual se possa mergulhar em si mesma, fazer muitas ou nenhuma pergunta ou simplesmente, parar, se conectar com aquilo que melhor lhe convier e, “descansar na rocha perto da alma, respirando junto com ela” (ESTÉS, 2018).    

Referências

ESTES, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Tradução de Waldéa Barcellos. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

LUCINDA, Elisa. Livro do avesso: o pensamento de Edite. Rio de Janeiro: Malê, 2019.

 

Fonte imagens:

– Silhueta de pássaros nos fios com a paisagem do mar tropical.

Disponível em: https://br.freepik.com/vetores-premium/silhueta-de-passaros-nos-fios-com-a-paisagem-do-mar-tropical_12501569.htm ;

– Imagem de “Os barquinhos e o mar”.

Disponível em: https://galeriacoletiva9.com.br/produto/os-barquinhos-e-o-mar/ .

 

 

Edy Justino (@edy.justino): Professora. Escritora Paraibana. Feminista. Podcaster e Pesquisadora das Poéticas Afro|Negro-Femininas. Idealizadora e Narradora do Podcast Vibe Literária – (Leitura Literária Expressiva). Link: https://open.spotify.com/show/2J16l61aDiFQRH6hcQsjTg?si=562e062aec864d7e