Tori Amos é uma artista cruel, seu piano de cauda é afiado, um animal laminoso, retalha nossos sentidos em notas agudas, num misto de doçura e vigor. Ela acaricia, acalenta, seduz, depois tritura, faz pasta do ouvinte, esse pobre diabo que se torna refém de seu canto perigoso de sereia, fêmea voraz, sibila. Regida pelo signo de Leão, ela exibe sua verve com magnitude, virtuosa musicista, desliza velozmente as mãos pelas teclas do piano, ao mesmo tempo em que hipnotiza com seu timbre aveludado e agridoce e a leveza lasciva de seus gestos, movimentos densos e precisos. Olhos, lábios e a juba, exuberantes, um corpo-sol pairando majestoso no palco vasto, desnudando-se em canções de visceral beleza, repletas de uma poesia devastadora.

Em 2024, no último dia 22 de agosto, a artista norte-americana nascida em Newton, completou 61 anos de idade e continua compondo e lançando novos trabalhos, fazendo turnês, dedicado praticamente a vida inteira à música, como pianista, cantora, compositora e produtora de seus discos. Minha paixão pela obra de Amos é antiga, vem desde a adolescência, através da antiga MTV, quando assisti ao videoclipe de Cornflake Girl, retirado de seu show no MTV Unplugged, a imagem daquela mulher de cabelos vermelhos ao piano, flamejante e inquieta, magnetizando a todos na plateia com sua música cheia de vivacidade, charme e exotismo, logo me capturou e atiçou minha curiosidade. Daí seguiu-se uma intensa busca por seu trabalho e um delicioso mergulho em cada disco. Assim ela se fez presente em vários momentos da minha vida, tornou-se meu amuleto sônico, muitos dos meus poemas foram escritos embalados por suas canções, eu a fiz persona de alguns deles, ela passeia, musa arredia e ígnea, pelos meus livros.

Amos é audaz, toca fundo em questões e temas como religião, misticismo, ocultismo, morte, corpo, sexualidade, estupro, aborto, misoginia, opressão, feminicídio, amor, o sagrado feminino é explorado, elevado à máxima potência poética. Tori Amos celebra a mulher, em toda sua plenitude e força, a bruxa, a mãe, a curandeira, a deusa, evoca as forças ancestrais femininas, o poder do erotismo, a transgressão. Ela consegue ser lírica, delicada e ao mesmo tempo mordaz e incisiva, assim ela nos rende, subverte a lógica da linguagem e fascina, faz troça do nosso espanto, dança e delira pelas linhas e notas lúdicas de seus poemas-partituras.

Desde seu debut, em 1992, com Little Earthquakes, vemos que trata-se de uma artista singular e ousada, que soube usar com maestria seus talentos, sua sensibilidade e percepção acerca do mundo e das pessoas, suas próprias vivências e abismos, para construir uma obra bela e significativa, desfrutem-na!

 

 

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Anna Apolinário nasceu em João Pessoa, em 1986, escreve desde os 17 anos, é Pedagoga pela UFPB, com especialização em Gestão Educacional e Criatividade pelo CINTEP, concluiu em 2024 o Mestrado em Letras pela UFPB, como pesquisadora em Poéticas da Subjetividade, com estudos em Poesia, Surrealismo, Psicanálise, Erotismo e Autoria Feminina. É produtora cultural independente, organizadora/fundadora do Sarau Selváticas desde 2017 e da Cia Quimera – Teatro & Poesia, desde 2019. Seu primeiro livro, Solfejo de Eros foi publicado em 2010, em seguida vieram Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos – Funesc, 2014), Zarabatana (Patuá, 2016), Magmáticas Medusas (Editora Cintra/ARC Edições, 2018), A Chave Selvagem do Sonho (Triluna, 2020), Beijos de Abracadabra – poemas automáticos bilíngues (Triluna, 2023) e a obra Bruxas sussurram meu nome, contemplada no Prêmio Literário Políbio Alves da Funjope, que aguarda publicação ainda para 2024. Anna participou de diversas antologias literárias nacionais e internacionais, publicando em revistas e projetos literários ligados ao Surrealismo no Brasil e em países como Chile, México, Colômbia, Costa Rica, Venezuela, com seus poemas traduzidos ao espanhol.