Esse texto vem da exaustão de quem semeia filhos e plantas. Traz a dor e a delícia de reparar beleza e aprendizado que é cuidar. Minha escrita faz uma metafórica relação entre plantas e filhos. Se você não lavra nem educa, talvez não se interesse em lê-lo. Àqueles que cultivam o amanhã, estejam à vontade para validar ou não a minha percepção.

Meu pé de abóbora, jerimum caboclo, adolesceu. Eu explico: após crescer e florar, está fugindo aos meus muros. Assim como meus filhos juvenis, que muitas vezes ensaiam voos mais ambiciosos (e perigosos) do que eu havia vislumbrado. Nisso, faz-se necessário uma poda, uma limpeza, uma correção. Esse é o momento, meu caro leitor, que todo responsável (de plantas e filho) teme .

Há uma linha tênue entre a aparar e parar a floração, como entre orientar e anular o aprendiz. Esse horizonte, na maioria das vezes intangível ao semeador aventureiro, só se vislumbra após a experiência tão difícil. Às vezes, ao arrancar ervas daninhas percebemos que machucamos a flor que a ela estava atrelada assim como um filho, que ao perceber seu comportamento apoiado em ilusões inconscientes, chora. Esse desafio, necessário e dolorido – em ambos os casos, filhos e flores -, traz a sensação de desânimo, abatimento ao ver o verde murchar e o filho silenciar-se.

Como no cultivo e na educação seremos julgados por visitantes do jardim, e conhecidos da família. Todos te darão fórmulas para resolver o problema como mágica ou até trarão soluções fáceis: “corta tudo logo!”, “tira a Internet!” (Acho que todos que, como eu lavram e educam, já ouviram coisas do tipo) ou até mesmo desagravos impertinentes como “plantas são dependentes demais, dá muito trabalho” na mesma proporção que aparece o famoso “quem pariu Mateus que o embale!”.

Hoje decidi aparar meu pé de jerimum sem usar enxada ou tesoura, mas as próprias mãos em luvas, arrancando e cortando manualmente após vistoria in loco. Vi cada flor, fechada dando pequenos frutos, assim como percebo cada talento e competências dos meus rebentos se desenvolvendo. Da mesma forma, arranquei os galhos velhos e secos, como reparei as ilusões maternais se desmanchando com o tempo. Por isso, sou capaz de saber quantas abóboras terei após o inverno no quintal e as atitudes possíveis dos futuros adultos de quem hoje cuido dentro da casa. Cada flor é uma alegria. Cada conquista, uma esperança.

Na semeadura, as delícias superam as dores em horas fugazes. No educar o alento de ver e fazer crescer é muitas vezes marcado no coração e na memória, em fotografias com sorrisos em plenitude. Só aqueles carregados de ternura e fortaleza serão capazes de colher os frutos, flores e amores.

 

 

Jéssica de Pádua é carioca de nascimento e potiguar por bem-querer, professora de arte da rede municipal de Natal e do Estado do Rio Grande do Norte, especialista em música, literatura e teatro. Atua como encenadora do Coletivo Revestrés de Teatro Popular e militante feminista junto ao Mulherio das letras Zila Mamede. Poetisa e jardineira nas horas vagas,mãe e surda nas horas cargas.