Dentre os itens da minha lista de metas para o ano de 2024, tendo em vista a excessiva utilização de telas em meu dia a dia, coloquei duas pausas digitais: uma em janeiro e outra em julho, tipo férias “escolares”. Neste momento, estou dando por cumprida e encerrada a primeira parada proposta. Confesso que minha vontade era continuar distante das redes sociais e dos aplicativos de conversas instantâneas, porém algumas obrigações e projetos encaminhados me chamam.

Desde que surgiu, e numa crescente, a internet nos tem proporcionado inúmeras vantagens. São muitas as facilidades para que estejamos em vários lugares ao mesmo tempo, com presteza, agilidade e rapidez, interagindo com pessoas várias, onde quer que se encontrem. No entanto, isso é viciante. Parece que não conseguimos mais viver sem essa extensão virtual em nosso cotidiano.

O celular, principal meio de interação social, não é mais só um artefato tecnológico, cujo uso se resume a propiciar ligações telefônicas. É como se fosse um apêndice do nosso corpo, no qual depositamos nossa memória, em registros de sons, de imagens e de palavras.

Nesse mês de recesso digital, pude experimentar silêncios e espaços vazios deixados pelo que estava abarrotando meu “HD” interno. E eu pude preenchê-los com uma presença mais efetiva e significativa, em minha casa, com minha família, meus animais, minhas plantas e amigos mais próximos. Viajei e voltei a minha cidade natal, tendo a alegria e o espanto de encontrar velhas amizades e de conversar com muita gente conhecida, como se nunca tivesse saído de lá. Fui a enterros e às compras, cumprimentei e troquei sorrisos com quem nunca falei na vida, e tive até vontade de jogar no bicho.

Tirar poucas fotos, já que quase sempre a intenção é publicá-las nas páginas do Facebook e do Instagram, deu-me a chance de viver as situações por elas mesmas, sem preocupações de mostrar o que estava fazendo de interessante ou que eu considerasse importante divulgar ou revê-las, artificialmente, depois do acontecido. Tomar banho de mar e de rio, apreciar a noite estrelada, caminhar pelas ruas da cidade, reunir-me para um café pela tarde e até ouvir os inúmeros e infindáveis relatos das doenças e das dores de todos com quem convivi nesses últimos dias trouxeram de volta minha essência.

No mesmo quarto que era meu na adolescência, em muitas noites, feito zumbi, varei a madrugada lendo, fazendo palavras cruzadas, crochê, ouvindo rádio e pensando, apenas. Isso me fazia acordar tarde, com o barulho da rua, mas também me dava a chance de dormir até “a gata miar”, como se diz popularmente, sem preocupações com horários e afazeres.

Gostei da experiência e penso em repeti-la mais vezes. Constatar que somos escravos dessa ordem mundial que nos exige conexão e atuação o tempo todo, sem que tenhamos o prazer de sentir cada cheiro, de ver cada cena que ocorre em nossa volta, de ouvir sons naturais há muito despercebidos e de se aproximar das pessoas e das coisas, recebendo a energia delas, provocou meus sentidos, abrindo meus olhos, principalmente, para o que precisa ser, além de visto, vivido e apreciado, presencialmente.

Marineuma de Oliveira
Doutora em Linguística. Professora aposentada da Universidade Federal da Paraíba. É membro da União Brasileira de Escritores (UBE-PB), da Academia Paraibana de Poesia (APP) e da Academia de Cordel do Vale do Paraíba (ACVPB). Coordena o grupo Poética Evocare. É autora de quatro livros de poesia: VIDA RODA (1990); ENTRE PARÊNTESES: poemas (2021); PONTEIO: poemas (2022) e DA FLOR DO OLHAR (2023).