Os clássicos da literatura infantil sempre têm irrigado o teatro que é feito para crianças. Todos em forma de adaptações, pois o teatro infantil como dramaturgia parece ser um gênero ainda recente. Desde tempos imemoriais temos peças escritas originalmente para o teatro adulto. A categoria Infantil pode até não ser nova, mas dificilmente encontramos notícia de algum texto do gênero com mais de 100 anos.

Onde está a origem do teatro infantil como Gênero Dramático? Urge procurar os autores e encontrar as peças pioneiras para esse público tão específico. Sempre que estudamos a História do Teatro, passamos por todas as vertentes das manifestações cênicas e períodos históricos de referência, até chegarmos ao homem das cavernas.

Em todas as passagens, o teatro está registrado como uma arte de adultos, como se não existissem as manifestações infantis ou como se tudo não passasse de uma injusta omissão. Os quadros reveladores do espectador-mirim remontam sempre às demonstrações de palhaços ou aos atores medievais que vestiam máscaras de animaizinhos grotescos.

Como dramaturgia estabelecida, enquanto gênero de literatura dramática, o teatro infantil não aparece nunca. Quem já ouviu falar de uma peça escrita para crianças na época de Shakespeare, por exemplo? E quem escreveu para crianças na época dos grandes festivais gregos em que disputavam autores como Sófocles, Eurípedes e Aristófanes?

Já é sabido que o sucesso desses autores se amparava na releitura de mitos populares. Escrever para teatro era recontar os mitos, ou reescrever as histórias já maciçamente contadas e recontadas de uma geração à outra. Talvez isto explique as boas respostas de público que encontramos até hoje em peças como “Paixão de Cristo” e “Romeu e Julieta”. O público já vai ao teatro sabendo da história, conhece todas as cenas e antecipadamente já se libertou das possíveis surpresas. A novidade está apenas na forma que aquela história é contada, e também nos intérpretes que a estão contando.

Inversamente, talvez isto explique, também, o grande risco que sempre enfrentamos ao contarmos uma história “original” – ou que julgamos original. Diante de tantas opções na praça, com dezenas de teatro funcionando e milhares de filmes contando histórias para todos os gostos, é preciso sempre acertar no tema, encenar no momento certo para aquele tema e contar a história muito bem contada para que possamos alcançar plateias. Por isso é que os velhos mitos são sobreviventes, sucesso e garantia de público.

É aí onde entram os “mitos” do teatro infantil, tábua de salvação para quem quer atrair a garotada e construir um público novo para o teatro de amanhã. Mesmo sem as referências históricas de uma dramaturgia originalmente infantil, o teatro voltado para esse tipo de público tem ganhado força a partir dos clássicos literários – como Rapunzéu, Pinóquio, A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho e Branca de Neve e os Sete Anões (entre muitos outros).

No teatro das últimas décadas, dos anos 70 para cá, houve uma grande avalanche de tentativas originais que procuraram fugir desses clássicos. O teatro infantil dos anos 70 esteve cheio de cenários representando florestas, com atores interpretando árvores, caçadores e animais ferozes. O teatro infantil dos anos 80 já esteve repleto de palácios e princesinhas, com atores interpretando rainhas e reis malvados, príncipes e conselheiros. Já os anos 90 ficaram saturados de tudo isso, abandonaram as florestas e palácios, acentuaram os sonhos e estiverem cheios de espetáculos onde tudo era mágico e sutil, mas sem o ranço daqueles velhos clichês de um teatro “monárquico”.

O teatro infantil também aconteceu sem os velhos telões como pano de fundo. Houve uma verdadeira abolição dos cenários, e os efeitos de luz tiveram a bola da vez como possibilidade de uma imaginação mais ampla. Ao invés de reis, florestas e animais, os personagens infantis dos anos 90 foram as pedras, a lua, o sol, o mar e as estrelas. Além de tudo isso, surgiram espetáculos de cunho social mostrando a realidade dos nossos dias, atores que encarnavam os meninos de rua ou a análise de uma garotada diante de todas as descobertas humanas.

Este início de século (e de milênio), tende a fazer uma outra reviravolta e trazer para a cena os velhos mitos da literatura infantil. Mais uma vez, a nova garotada está diante das belas adormecidas, das cinderelas e pinóquios que atravessam páginas e tempos, repousam por alguns anos e, de repente, num abrir e piscar de olhos, saltam às nossas vistas com muita febre de animação cênica.

A sociedade moderna, e “virtual”, é dona de uma benéfica contradição: para que as fadas não morram, ela impõe, de um lado, os bonecos cibernéticos como proposta de ações meramente mecânicas, destituídos de psicologia e sem nenhuma referência de alma; de outro, humaniza nossos corações com aqueles mitos que não morrem nunca, em que as varas de condão ainda fazem mágicas e onde um beijo pode despertar a bela adormecida.