Toda e qualquer palavra é uma convenção. Um símbolo. Um signo que não é a coisa em si, mas intenta representá-la. Essas são as velhas lições da semiótica de Sanders Charles Peirce.

As palavras são, talvez, uma das maiores invenções da cultura humana. Elas são o transporte principal de sentimentos, notícias, emoções, contratos, romances, documentos diversos, silêncios…

Não nos recor damos de quando, pela primeira vez começamos a nos apropriar das palavras e dos seu s sentidos. Há palavras porém, que quando nos encontram pela primeira vez, é como se nos atropelassem, como se nos desapossassem da nossa zona de tranquilidade para nos inquietar., nos paralisar.

Lembro-me da primeira vez em que me defrontei com a palavra Catástrofe. Eu era adolescente e estava lendo O Guarani, romance de José de Alencar. A meio do livro trombei com a palavra e estaquei. Catástrofe, o que danado era aquilo?

Sim. Há palavras que estão realmente cingidas ä coisa que querem representar. Como a palavra catástrofe. Tão estranha na sua escrita, na sua pronúncia, na primeira vez que a encontramos, a palavra catástrofe serve como uma luva para os acontecimentos que encarna.

As catástrofes nunca deveriam ser banalizadas. Mas, no mundo atual, elas abarrotam o dia a dia das cidades, competem por audiência nos tele-jornais, mas não parecem afetar o modo de vida dos indivíduos, da sociedade.

A palavra catástrofe estaria perdendo o seu sentido primordial? A realidade estaria abastecendo o mundo com tantos acontecimentos imprevisíveis, que estaria se enfraquecendo o sentido original do termo? Será que deveríamos inventar signos novos para os novos sentidos de um mundo anestesiado, envolvido por um modo de vida centrado no consumo individual, no prazer a qualquer custo?
Sim, nesse mundo calcado por um modelo de consumo absoluto, as catástrofes não são mais um ponto de perturbação. Quando muito, os acontecimentos insólitos merecem breves piscadelas, escutas rápidas das pílulas que pipocam nas telinhas e telonas, aninhadas em montes de conteúdos envolvendo a festa da cultura midiática.

As catástrofes parecem somente tirar a pele daqueles que são suas vítimas. Nas grandes enchentes, nos desmoronamentos, nos terremotos, nas grandes tempestades, as vítimas são inúmeras, mas até mesmo os seus dramas servem de alimento ä uma sociedade da fruição perpétua, que recebe, edita e distribui as imagens do sofrimento alheio.

Mas é provável que um dia o sentido absoluto da palavra catástrofe soterre a nossa existência alegre e vã. Com toda a sua força, um dia, pode acontecer que a palavra catástrofe, com toda a sua força, espalhe o silêncio por todo esse mundo que vibra, alerta, cintila, clica e compartilha.

E eis que me acode ao pensamento o calendário cósmico criado em 1957 por Carl Sagan. O cientista criou uma espécie de linha do tempo para ilustrar a evolução do universo. No calendário de Carl Sagan, cada dia em um ano de 365 dias representa cerca de 1,37 milhão de anos. É um conceito formidável para medirmos nossa breve e catastrófica existência nesse universo de mais de 13 bilhões de anos.

Para pesquisadores da atualidade, parece que estamos nos aproximando do último segundo da meia noite. Nesse calendário cósmico, um segundo é uma eternidade. Entretanto, o último segundo seria também uma medida de tempo para uma sucessão de acontecimentos que poderiam prenunciar o fim da humanidade, num planeta devastado pelas condições ambientais e climáticas, que não sõ senão, resultantes das escolhas que fizemos ao longo da nossa vida na terra.

Sim, a grande catástrofe habita nossas vidas e se amplifica já a partir da revolução industrial. A catástrofe maior, entretanto, é não darmos a menor importância aos alertas permanentes que recebemos do nosso planeta agonizante.