
Em novembro/2023, o IBGE divulgou novos dados relativos à renda per capita e ao Produto Interno Bruto de todos os estados brasileiros e o peso deste indicador no conjunto da economia nacional. Os números confirmam o grau de concentração da riqueza no Brasil, com seis estados mais o Distrito Federal detendo cerca de 80% da renda nacional. Quase nada mudou em relação ao último levantamento a não ser o fato de a renda per capita no DF ter atingido mais de três vezes a média nacional e o dobro da do Estado de São Paulo. Mas, como um lugar com um setor industrial ainda incipiente, figura como detentor da maior renda per capita do Brasil, equivalente ao de algumas nações do mundo desenvolvido? Qual o segredo?
Antes de mais nada, lembremo-nos de que, ali no Planalto Central, está Brasília, com seus 2,2 milhões de habitantes, sendo uma boa parcela composta de funcionários públicos federais, além das sedes dos Tribunais, Congresso Nacional (instituições reconhecidas pela gorda folha de pagamento de pessoal) com toda sorte de assessores, comissionados e demais agregados, além de toda máquina administrativa da esfera federal dos Três Poderes.
Brasília foi concebida para sediar o Governo Federal e abrigar um contingente populacional de aproximadamente 500 mil pessoas, incluindo aí (a grande maioria) funcionários da administração Federal dos Três Poderes. Inevitavelmente, nasceu junto com Brasília, as cidades satélites que pontilham o Distrito Federal. Hoje, o DF já se constitui na 3ª maior área metropolitana do Brasil, com quase 5 milhões de habitantes e que já tem o 4º mais movimentado aeroporto do país. A maior de suas cidades, Brasília, é o grande vetor de atração para a região em torno da qual gira a economia das 10 cidades satélites. O Distrito Federal logo será a 3ª. maior área metropolitana do país e, por muitos anos ainda, o maior vetor de sua economia estará ligado ao poder aquisitivo de grande parte de sua população, formada por servidores federais. Além disso, nenhuma das cidades do Distrito Federal tem status institucional de município, ou seja, não tem Prefeituras e toda a administração está ligada ao Governo Distrital, nivelado administrativamente ao patamar federal.
Os sistemáticos aumentos do teto salarial acima da inflação nos últimos anos, e seus conseqüentes efeitos em cascata, têm incrementado a renda per capita no Distrito Federal que já apresenta percentuais de crescimento acima da média nacional. Isso porque, sendo o custo um problema que não lhes diz respeito, toda a cúpula do setor público e suas associações corporativistas fazem pressão constante para reajuste acima da inflação. Esses reajustes, apesar de beneficiarem poucas categorias, na capital do país contemplam uma parcela bem expressiva da população, cujo consumo faz do setor de serviços o maior responsável pela economia de Brasília, carro chefe do PIB naquela Unidade da Federação. Com seu Produto Interno aumentado artificialmente via vencimentos, a economia local é impulsionada pelas demandas de uma elite privilegiada, com poder aquisitivo muito acima da realidade brasileira, tornando a capital do país praticamente inabitável para o trabalhador comum. Sabe-se que a quase totalidade dessa riqueza não é produzida ali, mas bancada por uma boa fatia do orçamento federal à custa do suor de quem produz, trabalha e contribui noutras praças, distante do planalto central.
Graças à desproporcionalidade na divisão do orçamento da União – resultado dos vícios de uma estrutura administrativa arcaica, com altas doses de fisiologismo e corporativismo -, aqueles detentores dos mais altos cargos na hierarquia público servidora chega a receber até 30 vezes mais do que um professor que contribuiu para a sua formação. Ou a natureza e a responsabilidade da função justificam tamanha disparidade? Mais emblemático ainda é o caso dos parlamentares: cada um, custa aos cofres públicos cerca de 2 milhões de reais por ano. Se fizermos a relação custo/benefício considerando a atuação e dedicação destes, temos aí, talvez, o pior exemplo de uso do dinheiro público no mundo.
É exatamente a alta concentração de uma legião de privilegiados que fazem de Brasília uma verdadeira ilha da fantasia, com renda per capita de primeiro mundo e altíssimo custo para toda a sociedade. O que o IBGE divulga estatisticamente, apenas ratifica a tese de que o Brasil – ainda lutando para erradicar a fome e o analfabetismo -, é o país que mais destina, em termos proporcionais, dinheiro do orçamento para instituições como o Congresso Nacional e Tribunais Federais, que abrigam os parlamentares e magistrados (além de outros tantos detentores dos mais altos cargos da hierarquia da administração pública federal) mais bem pagos do planeta. Todavia, representações fiéis do “modus vivendi brasiliensis” são encontradas em todo o país através das sedes regionais de alguns órgãos federais, cujo aparato de sustentação destoa completamente da realidade local. Num país socialmente injusto, onde o próprio Estado respalda e patrocina a má distribuição de renda nas mais diversas esferas e setores, os vícios de nossa estrutura burocrática acabam sendo reproduzidos nas instituições públicas mais representativas. Ali, quando a discussão diz respeito ao interesse individual ou corporativo, o princípio da democracia, da ética e da isonomia é mera retórica.

Dermival Moreira
É bancário aposentado, com Licenciatura em Geografia na UFPE e é autor de “Identidade e Realidade – artigos e crônicas”.