Imagino o mundo como um grande mar, e a vida, nesse grande afã das relações humanas, interpessoais, como uma grande e colorida ciranda, não fossem os altivos olhos inquisidores, os de “caçar e por defeitos e reparos” nos semelhantes.   As “humanidades” parecem sair em disparada quando o papo é sobre intolerar.  É um quase apartheid da alma fugindo do próprio corpo, por não aceitar, no outro, o que não lhe é “semelhante”!.

De quantas coisas, lugares ou pessoas você já “fugiu” na vida por considerar aquilo tudo como inadequado, inapropriado ou mesmo inaceitável? O fato é que todos esses vocábulos sinonímicos são, na verdade, criações humanas e nascem na mesma fonte de onde jorra o preconceito e a intolerância, atualmente, bem mais flagrantes!

Essa espécie corrosiva, sulfúrica e letal de intolerantes de que se constitui, grande parte da sociedade, além de causar grandes estragos morais e emocionais, também vem ceifando vidas, principalmente, daqueles que, tão somente, se permitem, a duras penas e consequências sócio-histórica, cultural e humana, que seus corpos atendam aos anseios de sua alma e amem do seu jeito, embora da forma dita “desviante” e transviada!

Amam assim, no dito desalinhamento, os sujeitos da Homoafetividade: os gays, as lésbicas, os sujeitos LGBTQIAPN+, os nascidos sob o mesmo sol, sob o mesmo céu e sob a mesma espécie; a espécie humana. Por isso, é importante refletir que, nos sujeitos da Homoafetividade, não há amor em desalinho, o que há, de fato, é olho com desvio humanitário de enxergamento proveitoso a mira-los!

Quem entregou aos julgadores a tutela oficial de distribuidores de sentenças? Quem empunhou os vigilantes das condutas morais alheias a desfilarem de fita métrica e régua à mão para delimitar a estatura, as medidas e as rasuras ou funduras do sentir e do agir alheio? Quem atribuiu aos humanos o encargo de pastorear as vicissitudes e “incoerências” alheias, na arte de amar, em troca de “um lugarzinho arejado no céu” dos justos, puros e, moralmente, alinhados?

Assim como cada humano é um universo inteiro de possibilidades quando abraça o “conhece-te a ti mesmo”, é também inferno ambulante para a sua e para a alma de terceiros quando faz do umbigo alheio “alvo de caça”!

Que espécie de deus consente que o ‘ódio alheio’ se julgue acima do bem e do mal, autorizado a caçar, perseguir e exterminar, como punição, os que “amam errado” e que não correspondem aos padrões sociais e morais criados pela heteronormatividade, esta amplamente, representada pelas “mulheres de família” e “homens de bem”?

Você já se perguntou por que acredita ser mais aceitável um chefe de família ter casos extraconjugais com outras parceiras do que ter um filho, assumidamente, gay ou uma filha lésbica? Até quando pai e filho vão precisar ser linchados na rua porque caminhavam de mãos dadas e “pareciam gays”?    Até quando as moças do topless da praia do Rio de Janeiro, mesmo em cantinho afastado, vão ser abordadas como criminosas e serão levadas, algemadas, à delegacia sob a alegação de “desacato à autoridade” do policial que se sentiu “agredido” com a nudez do busto exposto da “sapatona” que tinha sua namorada do lado enquanto tomava sol?

Quantos outros adolescentes vão cometer suicídio por terem sido “flagrados” abraçando um amigo e ter sido exposto, nas redes sociais, “acusados-apontados” como gays entre os amigos? Quantos outros jovens, na flor de sua juventude, após ter sido “descoberto” pela família e carimbado como gay, como a decepção da família e ter sido expulso de casa, vai precisar cometer suicídio, em praça pública, para poder ser ouvido e reconhecido como gente, como ser humano que tem o sagrado direito de amar a quem e como quiser?  Quantas outras adolescentes de 14 anos vão precisar suicidar-se porque ‘a mãe preferia vê-la morta\ao invés de vê-la torta’ (Justino, 2020)?

O vigiar e o punir tira do humano sua humanidade. Faz de uns, algozes, a outros alvos fáceis da falta de afeto, empatia e humanidade frente as formas outras de viver, amar e existir desses “outros” que também sou eu; um ser que é belo porque se sabe imperfeito, mas que é ‘perfeito’ porque sabe amar indistintamente.

O fato é que, para os que creem ou não em alguma coisa extra “olho nu”, o Amor de algum Deus(a), a Bondade Universal, bem como as demais boas venturas da natureza, nos são entregues sem a prévia seleção de nossas “performadas bondades” e justeza de caráter forjado nos ditames da moral e dos bons costumes.  E que, ‘Na labuta do amar’ (Justino, 2020), sob esta 3ª dimensão, crime inafiançável deveria ser o Amar Seletivamente e o Não Amar por julgar o ‘outro’ como não merecedor, por ser aquele, um “fugitivo” de uma das caixinhas sociais sob a qual lhe haviam posto para viver!

Crime deveria ser a Fome, que ainda põe tanta gente para dormir com o estomago vazio. A Desumanidade, que leva tanta gente a exterminar vidas outras por preconceito de raça, cor, gênero. A Desfaçatez, que leva tantos hipócritas a condenar publicamente, nos outros, aquilo que vivencia na surdina. A Injustiça, estampada no “marco temporal” em votação. A Armação, diluída na tentativa de extinção do casamento homoafetivo!.

Pecado deveria ser: tirar do outro o direito e a oportunidade de Ser, Amar e se Expressar, nas relações e no mundo, da forma como sua alma encontra ressonâncias libertárias vida afora. Quem ama seletivando, preferindo os “virtuosos”, certamente, não aprendeu o suficiente, sobre o saber enxergar, para “além do arco-íris”, a faixa gigantesca que afirma: “No Tempo da Intolerância” é lugar retrogrado no qual impera o desrespeito e a desumanidade, representa a involução e que, há muito, não nos cabe mais.

Assim, sendo o mundo um espaço de sujeitos múltiplos, “sortidos”, a diversidade e a diferença, na forma de amar, deveria ser considerada como riqueza humana, dentro das multifacetadas faces do Amar, e não como vergonha social que foge do costumeiro performar, de modo que ‘Amor condicionado é que é espírito aprisionado\Amor justo e correto é amor alforriado\Livre do julgo das querelas sociais\Solto para escolher o que melhor lhe apraz’ (Justino, 2023).

A roupa que deve te vestir não é aquela que te oferecem, mas a que te cabe porque te deixa confortável dentro do corpo pele humana que reveste o teu existir enquanto sujeito pleno de subjetividades! Curiosamente me questiono, por que será que os animais, a exemplo dos cães e gatos amam indistintamente, sem exigir as credenciais morais de seus donos, e nós, os humanos “pensantes”, folgamos do amor em seletividade?

Já pensou como seria bom o Cirandear da Vida, sob os pressupostos do afeto respeitoso e a perspectiva da conexão da vibração do coração?

Fonte: http://artenaifadriano.blogspot.com/2017/08/a-ciranda.html

Diante da descrita querela das intolerâncias, nessa ciranda da vida, desejo é que a capacidade de amar, indistintamente, a nossos semelhantes, se sobreponha a nossa, excessiva e espontânea, capacidade de subjugar os “sujeitos desviantes”, embora se saiba que os seres humanos são, em muitos aspectos e perspectivas, multifacetados.

O que faz o sucesso da ciranda da vida é justamente a boa disposição dos componentes da mesma em darem-se as mãos e, sem fazer acepção de pessoas, dançar com a alma alinhada no fluídico ritmo do “viva e deixe viver”, munidos de afeto, empatia, e respeito as subjetividades humanas! Chega, vem dançar, vem? Dancemos, pois, desarmados de todo e qualquer tipo de Intolerância e Preconceitos, na Ciranda da Vida!

Na verdade, eu que achava que sabia sobre cirandas e pessoas, acabo de descobrir que sei, tão somente sobre convites, e é exatamente por isso que lhes convido, não para a criação da ideia guetificada de existência dos sujeitos, mas da boa disposição para o cirandar na vida onde a existência do outro, por si só, em partilha comigo, já me seja motivo de contentamento, pela alegria de ser e estar no mundo, frente ao privilégio de dividir com outros sujeitos, coloridos ou não, as mesmas benesses universais, a mesma temporalidade dimensional de vida existência!

Se aproxime, me dê a mão, e para melhor me enxergar, me olhe, não com a desconfiança de quem ver um ser de estranhamentos, mas uma alma humana performando a vida, mesclada por boas vibrações, disposta a cirandar contigo, como se hoje fosse a única oportunidade de que dispomos, nesse instante intransferível, chamado presente.

Referência(s):
DIAS, Adriano. A ciranda. Disponível em: http://artenaifadriano.blogspot.com/2017/08/a-ciranda.html Acesso em: 16 set. 2023.
JUSTINO, Edy. O recado\Destreinada. In.: NASCIMENTO, Jeovânia P. do. O Livro das Marias II: coletânea de poesias e contos. São Paulo: Ixtlan,2020, p.72-74.

 

 

Edy Justino Professora. Escritora e Poetisa Paraibana. Feminista. Autora de Poemas, Contos e Crônicas. Apresentadora e Prefaciadora de Obras Literárias Individuais/Coletivas. Membro de Academias de Letras e Artes: AIML/RJ e da AILB/Focus Brasil – New York. Mestra em Letras (Estudos Culturais e de Gênero – PPGL/UFPB). Participante de Concursos Literários, Antologias, Coletâneas e de Projetos Literários: Elas & as Letras; Literatura Feminina; Escreviventes; e de Coletivos de Mulheres: Escreviventes, Lobas Paraibanas; Mulherio das Letras: Sertão, JP, SP, RJ, América Latina, Espanha, EUA, Portugal,… Idealizadora-Apresentadora do Podcast Vibe Literária – (Leitura Literária Expressiva).