Minha mãe me condenou a nunca sair de casa. Sentença pior não existe, para um jovem artista que sempre desejou partir. Quando, ainda aos quinze anos, anunciei para ela que partiria aos dezoito, de pronto ela respondeu:

– Você não vai. Eu falo com Deus nas minhas rezas, e Deus não vai deixar que isso aconteça.

Não sei se foi maldição – mas, de fato, não consegui partir aos dezoito anos. Desde aquele primeiro anúncio eu continuei sonhando, fazia planos de sair de casa quando atingisse a maioridade, mas a vida foi tomando rumos diferentes.

E não merece culpa a resistência materna. Certamente, como tantos filhos que vão embora deixando a mamãe em lágrimas, eu também teria partido se não tivesse noivado. É aquela história da namorada que segura a gente, por medo de perdê-la ou ser trocado por outro. Mas até para esta a gente faz a promessa:

– Depois do nosso casamento, eu preciso ir embora. Vou lutar pela minha vida e depois venho te buscar.

A companheira responde que concorda, que vai ficar torcendo pelo sucesso, então vai passando o tempo e, com ele, os sonhos também vão sendo enganados. No caso, aqui, eram sonhos de fazer teatro lá fora, cinema e televisão, sem falar da pretensão literária. Casado aos vinte e um anos, falo para a esposa que chegou a hora – e dizia isso com um desespero de pressa, uma sensação de que estava velho:

– Se eu não for logo, vou terminar perdendo a chance.

A jovem esposa – coitada! – finge concordar:

– Se é para o seu bem, pode ir.

Em seguida, a mamãe fica sabendo do plano. É quando escuto outra vez aquela velha sentença:

– Vou rezar um terço inteiro para Deus abrir o seu coração. Não vai de jeito nenhum, que é muita sem-vergonhice deixar a mulher sozinha.

Na mesma semana vem a novidade: a esposa está grávida! Pronto. Motivo havia de sobra para não sair de casa. Um pai de bom senso não faria isso, a não ser em caso de desemprego. Como aqui eu tinha o meu emprego, não fazia sentido deixar uma grávida para sair correndo atrás de um sonho.

Felizmente que não era um problema, a alegria de ser pai superava tudo. Nasce a primeira filha – e, para a esposa e a mãe, renovo meu plano a anuncio o seguinte:

– Não estou tão velho assim. Vou deixar a menina crescer um pouquinho, depois vou embora:

A esposa abnegada diz apenas isto: “Tudo bem”. A mãe, ao contrário, assim responde:

– Daqui pra lá, você cria juízo.

A filha cresce durante sete anos. Talvez seja a hora de partir, mas nasce a segunda filha. Até aí já trabalhei demais – escrevi e publiquei livros, dirigi peças, organizei eventos, a cidade começa a me conhecer. E tinha uma outra filha engatinhando, prestes a crescer como a outra. Partir por quê? As coisas do mundo vão ficando próximas, existe uma tal de globalização e é possível vencer sem ser preciso sair de casa. Aliás, já nem precisava incomodar a velhinha nem ter que ouvir a sentença de antanho. Nasce a terceira filha – e esta, assim como as outras, também teria um pai sempre perto, mas um resíduo daquele sonho passado continua dizendo:

– Não estou tão velho. Só vou deixar a menina crescer um pouquinho.

Então a filha já cresceu um pouquinho. Mas agora eu olho a televisão e tenho medo das balas no Rio de Janeiro, de bandidos e milícias que atiram indiscriminadamente nas ruas. Agora eu olho a televisão e tenho medo da poluição de São Paulo, dos congestionamentos no trânsito, as filas do metrô, eu já não sei se isso é covardia ou mero pretexto de ficar aqui mesmo. Então eu chego para a minha mãe, agora velhinha, e falo de planos que se transformaram:

– Olha, Mãe, eu ainda não desisti de ir embora e acho que chegou a vez. Mas o Brasil está violento demais, e agora eu acho que vou para Portugal.

Eu pensava que a mãe tinha esquecido de tudo. Mas o quê! Estamos no meio de uma refeição, ela suspende a comida que ia levar para a boca, ergue-se da mesa e grita assim:

– Não vai não. As contas do meu terço não deixam!