Certa vez escrevi nas minhas redes sociais que André Morais é um gigante que se espalha pelo palco com a leveza de um pássaro. Falo do André ator com sua entrega sem tréguas aos personagens que interpreta, mas não apenas.
Também de quem mergulha nesta linguagem de encantos, lágrimas, risos e arengas desta febre que é existir. Falo da linguagem teatral, mas André não é apenas inteiro no que faz enquanto ator. Ele é múltiplo. Inteiro e caleidoscópico também como cineasta. O longa “Rebento” que o diga.
Tudo bem, eu sei. Isso tudo já seria muito. Todavia tem mais. Mais um André dos tantos que fui conhecendo aos poucos ao longo dos últimos anos. Atento aos atos e cada passo. André vive a arte. Não nasceu para outros planos. A arte é seu lugar no mundo.
Estuda, mergulha, exige de si mesmo sempre o máximo. Não falo apenas das artes cênicas onde os deuses da ribalta sempre foram generosos com ele. Falo do que ainda é teatro quando se sai do palco. Quando o espelho do camarim é sua verdadeira morada.
O múltiplo André, todavia, também é inteiro quando sobe aos palcos pra cantar. Quando escolhe as parcerias mais belas e carrega em seu canto a força de cada troca. Ancora sua personalidade artística numa nau de muitas sonoridades.
Esse outro André é o mesmo do teatro e do cinema, mas ao mesmo tempo não é. O André que canta é mais respiração. O André ator é também respiração, mas também transpiração. O André que canta é pulsação. Medida matemática do que está entre todas as artes e se faz poesia.
Tudo isso que escrevi até aqui tem um motivo. Queria falar da música nova do André que agora estou aqui ouvindo, ouvindo e escrevendo. Escrevendo e convidando você também para sentir o prazer de ouvir um cantor que doma sua voz para que o canto também seja da pele, do corpo das expressões oceânicas do rosto.
Ouça esta canção. “A Lira Nua” de André Morais e Valéria Oliveira, na voz de André. Tudo transbordando na pele. Algo que somente acontece na razão e no abismo dos grandes artistas. Arranjos sofisticados e belos. Produção musical garantida e caprichosa de Helinho Medeiros e Pedro Medeiros.
Trago, pois, “A Lira Nua” para dividir com vocês. Como o menino da história do Eduardo Galeano. Aquele que ao ver o mar pediu ao pai: “pai, me ajuda a olhar”.
Me ajudem a escutar e percorrer as léguas do encantamento de uma melodia absolutamente nua bordando a pele de cada verso. Falando com delicadeza das escaramuças nem sempre suaves da condição humana. Do que não se sabe o porquê, mas se vive. Aliás, algo que nos diz que de tudo nunca se sabe.
Do que não se vive porque nunca cabe tanta vida num único corpo e somente por isso as pessoas se multiplicam como pássaros do amanhecer em busca de um “sexo vadio”. O que transcende, se derrama como um lírio tremulando rios.
A música tem participações preciosas de Helinho Medeiros e Pedro Medeiros, mas também do mestre Cassi Cobra e de Victor Mesquita. Uma bela canção, um artista de muitos recursos trabalhando com músicos de muita bagagem. Tudo isso resultou num vídeo que nos diz um pouco do que será “Voragem”, o próximo álbum de André Morais. Se preparem. Coloquem a roupa de ouvir para além dos ouvidos.
Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.