A prática da lavagem de dinheiro, tradicionalmente associada a operações financeiras sofisticadas e transações bancárias discretas, ganhou novas formas no Brasil. Atualmente, organizações criminosas têm transformado setores estratégicos da economia em instrumentos para movimentar recursos ilícitos. Entre esses setores, os postos de combustíveis assumem protagonismo, por serem negócios de grande rotatividade, com alto fluxo de caixa e um grau de informalidade que facilita a ocultação da origem criminosa dos valores.
Investigações recentes mostram que postos de combustíveis espalhados pelo país passaram a servir como mecanismos de mistura entre receitas lícitas e ilícitas, dificultando o rastreamento da origem dos recursos. Segundo dados da Receita Federal, divulgados em reportagem do G1/O Globo em 28 de agosto de 2025, o Primeiro Comando da Capital (PCC) controla direta ou indiretamente cerca de 40 fundos de investimento, com patrimônio superior a R$ 30 bilhões, utilizando ainda a rede de combustíveis como um dos eixos centrais de sua engenharia financeira criminosa.
Para compreender a lógica da lavagem de capitais, é preciso observar suas três etapas clássicas: colocação (inserção dos valores ilícitos no sistema), ocultação (sucessivas movimentações para dificultar a identificação da origem) e integração (retorno dos recursos à economia formal com aparência lícita). O setor de combustíveis tem se mostrado especialmente vulnerável nesse ciclo, funcionando como um canal de entrada e de disfarce da circulação financeira.
O Brasil possui, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), entre 42 mil e 44,7 mil postos de combustíveis em operação. Somente em 2024 foram comercializados mais de 130 bilhões de litros, um dado que evidencia a dimensão econômica desse mercado. Essa capilaridade, com estabelecimentos presentes em grandes centros urbanos e pequenos municípios, torna o setor particularmente atrativo para grupos criminosos. Dados recentes indicam que pelo menos 941 postos já foram investigados em diferentes estados, principalmente em São Paulo e Goiás, por suspeita de ligação com organizações criminosas, milícias e facções.
Mais do que pontos de abastecimento, esses estabelecimentos funcionam como canais de fusão entre recursos lícitos e ilícitos, permitindo que valores de origem criminosa adquiram aparência de legalidade. A infiltração em setores estratégicos compromete a concorrência leal, enfraquece a livre iniciativa e abala a confiança da sociedade nas instituições.
O enfrentamento desse fenômeno exige mais do que a repressão penal. Ele envolve a proteção da economia formal, a garantia da arrecadação tributária e a preservação do ambiente democrático, todos corroídos pela ação sistêmica do crime organizado. A experiência recente mostra que apenas com fiscalização rigorosa, integração institucional e políticas públicas consistentes será possível reduzir o espaço de atuação das facções e proteger a integridade econômica do país.
Romulo Palitot
Criminalista. Doutor em Direito Penal. Professor de Direito Penal (UFPB / UNIPÊ). Presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal- ANACRIM-PB. Auditor do Superior Tribunal de Justiça Desportiva(STJD), do Automobilismo.