Em João Pessoa eu morei os últimos 12 anos do século passado e posso dizer que a conheço bem. Voltando à capital paraibana em longos intervalos, percebi – talvez melhor do que quem ali sempre permaneceu – as alterações pelas quais sua configuração espacial tem passado nas últimas décadas, consequência da sua dinâmica socioeconômica, acentuadas pela sua localização geográfica. A capital paraibana é certamente uma das cidades brasileiras que mais perdeu de sua identidade, tão grande tem sido sua transformação ao longo do tempo.
Ao se expandir, qualquer grande cidade ganha novas centralidades, novos bairros e novos espaços dinâmicos de comércio ou serviços, mas algumas características de natureza geográfica, política e sociocomportamental acentuaram esse processo em João Pessoa. Hoje os pessoenses testemunham a deterioração do espaço que mais identifica sua cidade: as áreas históricas e seu centro comercial antigo, além de outras áreas centrais não tão antigas assim.
A “Cidade Real de Nossa Senhora das Neves” nasceu às margens do Rio Sanhauá – braço “morto” do rio Paraíba, e 16 km da foz deste. A partir do Porto do Capim a povoação subiu as ladeiras onde várias igrejas, prédios públicos, casarões e sobrados seriam construídos. Seu casario colonial, com ruas em ladeiras e igrejas barrocas – que em muito se assemelha às cidades do século XVII, como Olinda e Ouro Preto – conectava a cidade com a arquitetura portuguesa daquele período. Mas o que eu costumo me referir como “a alma da cidade” está sendo abandonado. As áreas históricas e centrais de João Pessoa aos poucos se transformam em logradouros fantasmas que ainda teimam em resistir em função do fluxo de turistas interessados na sua história e beleza e também devido aos órgãos da alta administração estadual que ainda abriga.
A transformação da capital paraibana foi lento até o século XIX, mas constante, e ainda está em curso. Se acentuou em meados do século XX, quando novas avenidas foram abertas e as ruas próximas à Lagoa ganharam muitos casarões para fins residenciais. Com o rio limitando sua expansão para oeste, a cidade crescia apenas na direção oposta, no caminho do mar. Começou uma “corrida” aos novos loteamentos que surgiam às margens das novas avenidas, facilitada pela topografia plana. Essa busca em direção às praias se intensificou com a implantação de linhas de transporte coletivo e da abertura da “Estrada de Tambaú”, atual Av. Epitácio Pessoa. A partir daí as pessoas começaram a dar as costas para a História de sua cidade e o centro de João Pessoa foi se tornando periferia.
Num primeiro momento as antigas residências deram lugar às casas de comércio, clínicas, órgãos públicos e outras atividades. Mas hoje já se verifica que o comércio e o setor de serviços estão acompanhando esse fluxo, contribuindo para o esvaziamento do Centro. Assim, o processo de abandono daquilo que já foi o que mais identificava a cidade de João Pessoa continua, e hoje, muitos pontos comerciais das ruas centrais, como a Duque de Caxias, que era o centro financeiro da cidade, já fecharam as portas. O encerramento de uma atividade impacta em outra e parte do setor bancário daquela área também foi encerrando ou suas atividades por ali, acompanhando o fenômeno. Até os colégios tradicionais estão fechando as portas. É como se a cidade estivesse mudando de local.
Esse movimento trouxe junto a especulação imobiliária, e a verticalização para além do sustentável foi inevitável. O adensamento à beira-mar demandou por mais serviços, inclusive públicos, e por conseguinte toda a cadeia de consumo ligada aos respectivos setores. Os grandes centros de compras surgiram como os fornecedores de bens e serviços o que torna os bairros praianos totalmente independentes, dispensando as pessoas de procurarem o centro da cidade.
Esse fluxo transumano foi, e ainda é, tão intenso que imprimiu mudanças profundas na configuração socioespacial de João Pessoa se comparada com um século atrás e mesmo com outras capitais. Para além da questão sociocomportamental da população, parte da responsabilidade recai também sobre o setor público na medida em que sua omissão ao problema contribuiu para o afastamento da população de suas áreas centrais. Destacaria aqui apenas a requalificação do Parque Solon de Lucena há alguns anos, que o deixou mais bonito e valorizou o elemento humano. Mesmo assim as pessoas não se sentiram suficientemente atraídas e a área mais bonita da cidade continua vazia, principalmente nos fins de semana.
É dessa forma que o Centro da cidade, a área que mais identifica a capital dos paraibanos, vai sendo esquecido, se tornando periférico e decadente, abandonado que está pelos próprios pessoenses. Disso tudo surge outro problema: as centenas, de pontos comerciais fechados nas ruas centrais, muitos em ruínas, passaram a servir de espaços de prostituição, consumo de drogas e outras atividades que só contribuem para afastar ainda mais a população daquilo que foi o centro histórico, comercial e financeiro de João Pessoa.
Dermival Moreira
É bancário aposentado, com Licenciatura em Geografia na UFPE e é autor de “Identidade e Realidade – artigos e crônicas”.