Trabalhadores de bares, restaurantes e similares devem ser as maiores vítimas de grosserias, deselegâncias e preconceitos de muitos ricos, novos ricos e pobres remediados que pensam ser ricos. Mais de 50 anos frequentando estabelecimentos do gênero em João Pessoa, testemunhei e confesso, mas nem tão Caco Antibes assim, cometi alguns delitos de má educação pura e simples, rispidez ou descortesia.
Tal comportamento vem do preconceito estrutural gestado na aporofobia de um montão de gente. Apesar das boas intenções e do policiamento contínuo a que se impõe, parcela dos bem-intencionados culturalmente deformados não se dá conta dos maus-tratos que inflige a quem trabalha de verdade servindo comida e bebida todo dia aos outros, e tendo que aguentar freguês abusado para não perder um salário-mixaria.
Posso contar ene episódios nessa linha. Mas um ilustra magistralmente os demais, acredito. Um que presenciei há dez anos em Manaíra, onde uma madame lamentou “o tanto desse povo do São José” passando por dentro do shopping vizinho ao bairro proletário que leva o nome do santo. A queixa foi recebida por garçonete que serviu à reclamante – com presteza, sorriso e esmero – uma bela fatia de bolo de chocolate com café.
Em mesa próxima, ouvi. A moça do caixa também ouviu. E cuidou de dar um troco bem certinho na hora da conta. “Tava gostoso o bolo? E o café? A senhora foi bem servida?”. Sim três vezes, com ‘s’ de satisfação. “Ah, que bom… Que bom que a senhora gostou do bolo feito por esse povo do São José, do café tirado por esse povo do São José e da garçonete que também é desse povo do São José”, disse a funcionária.
A cliente ficou muda por segundos, como que apurando a revolta daquelas palavras no retrogosto do lanche consumido há pouco. Quando resolveu reagir e falar, falou com o azedume da soberba ignorante. “Você é muito é da atrevida, viu?”, disse, emendando: “Conheço a dona daqui e vou dizer a ela como fui tratada por você”. A moça do caixa não se intimidou. “Quer que eu vá chamá-la?”.
Madame não encarou o desafio. Deu uma rabissaca, empinou ainda mais o nariz e se mandou, apressada, tomando o rumo da garagem do shopping.
Rubens Nóbrega
Escritor e Jornalista desde 1974. Integrante do Observatório Paraibano de Jornalismo.