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“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora José?” A FliParaíba foi um vexame fascinante, com muitos recursos disponíveis e algumas luzes naturais da literatura, da arte e do povo paraibano. Um festival de esquisitices onde o escritor angolano Agualusa participou de duas mesas. Em ambas a sua literatura foi sumariamente ignorada.
Na primeira mesa, não havia mediação nem bom senso. O escritor angolano ficou tão constrangido que nem falou. Limitou-se a responder perguntas do público. No segundo momento, até falou. Mas o tom da mesa era político e não literário. De lá saíram pérolas como esta: “esquerda e direita não são mais conceitos que agregam, são conceitos que dividem”. Mas Bahhh, diria meu primo imaginário.
Foi a festa das espertezas conjugadas e bem pagas, com representações fascistóides na programação, irrelevâncias consagradas e graves omissões. Quer um exemplo? Quase todos os escritores africanos que vieram são estudados no Curso de Letras da UFPB, mas o GeÁfricas – literaturas africanas (Grupo de Estudos @ge.áfricas) foi alegremente ignorado pelos organizadores.
Os africanos encontraram-se com o @ge.africas sim, mas fora do evento. Este foi apenas mais um triste episódio de uma ação questionada por muitos em diferentes tons e elogiada por alguns poucos mal-informados ou deslumbrados de plantão. Só não foi pior devido ao compromisso de servidores públicos valiosos que executaram suas tarefas com o profissionalismo de sempre.
Alguém – o famoso Não Sei Quem da Silva Xavier -, sem o menor conhecimento da efervescente literatura paraibana, nem sobriedade intelectual para pedir orientação, respondeu pela curadoria. Boa viagem, moço! Na próxima venha apenas apreciar as praias. O senhorito não tem culpas, mas tem responsabilidades. Foi contratado para fazer merda e fez.
Com tantos escritores, escritoras, pesquisadores e pesquisadoras de grande valor que trabalham no Governo do Estado é triste termos que debater agora as cagadas oficiais conveniadas. Pessoas que teriam sido valiosas para a organização e sucesso da ação foram esquecidas pela gestão e ignoradas pelo português dono da caravela que aqui aportou escondida na sombra de Camões. Bastaria criar um grupo de trabalho da gestão para e alguns vexames teriam sido evitados.
Não foi só isso. Teve o momento do amadorismo pleno. A organização do evento fez de tudo pelo desastre e teve sucesso. Marcou a mesa de encerramento no mesmo horário em que Chico Cesar passava o som. Algo tão primário que não acreditei no que ouvia. A mesa saudou ironicamente a entrada de Chico Cesar na sala. Aliás, na capela.
Sinto pelo balde de água fria em tanta gente entusiasmada com a estruturada caravela portuguesa bancada com dinheiro público paraibano. Definitivamente precisamos entender que o modelo FLIP que alguns insistem, não nos serve. Numa das suas últimas edições uma passeata de professores da Rede Pública de Parati, em greve por salários, afrontou o fluxo do “turismo literário”. Mostrou que a FLIP é um festival em Parati e não de Parati. Da mesma forma, a FliParaíba foi na Paraíba, jamais da Paraíba. Dá para entender o miolo mole da discórdia?
A Paraíba já abrigou Bienal e Salão do Livro. Uma edição de cada. Os eventos fracassaram por erros e omissões que a FliParaíba repetiu. As festas literárias consistentes da Paraíba, estão no interior. De Campina Grande e Boqueirão para dentro. Há anos lutam por reconhecimento. Foram incluídas às pressas na programação. Não para serem apresentadas ao público, mas para serem incluídas na pauta política do governo. Nenhuma delas é organizada pelo poder público. Exceto a de Barra de São Miguel. A FLIBARRA já virou política pública municipal.
Os disparates foram muitos. Quem visitou a feira de livros, viu a banca da FLIREDE – Festa Literária da Rede Pública Estadual. A FLIREDE é um projeto do próprio Governo João Azevedo, idealizada e criada pelo escritor e professor da Rede Pública, Jairo Cesar. Para participar do evento precisou se inscrever no edital aberto pela EPC – Empresa Paraibana de Comunicação. Preciso dizer mais sobre a FliParaíba e suas conexões com o mundo do faz de conta do governo? Ignoraram a própria cria e uma necessária imersão nas escolas de todas as regiões do Estado.
Se teve pontos positivos? Claro que sim. A Feira de Livros foi um sucesso e muito bem frequentada. Lá pudemos encontrar gente preciosa da literatura paraibana vendendo seus livros no que lhes coube deste latifúndio de desencontros. Livreiros, editores, escritores e escritoras. Lá estavam os cordelistas, na guerrilha de sempre. Teve mesa bacana e bem conduzida, também. Minha ideia não é de terra arrasada. A FliParaíba precisa ser repensada se quiser repetir a dose.
Aliás, como conceber uma feira literária no Nordeste, principalmente na terra de Leandro Gomes de Barros, o Príncipe dos Poetas, segundo Drummond, onde o Cordel é dispensado dos debates? O Cordel é a maior e mais popular tradição literária do Nordeste. João Cabral e Ferreira Gullar escreviam Cordel. Maria Valéria Rezende, também. Não por acaso vem gerando dissertações e teses mundo afora.
A verdade é que o lugar de uma literatura paraibana contemporânea reconhecida no país inteiro, foi minguado. Entretanto sobrou espaço para irrelevâncias nacionais, internacionais e até locais. Claro, havia uma quota mínima de gente talentosa. Foi sublime a presença de alguns bons escritores e escritoras, brasileiras e africanas. Infelizmente eram minoria na jaula das inadequações importadas.
Não por acaso, nomes da maior relevância na literatura, na arte, na Educação e na intelectualidade local, não colocaram o pé no evento. Sentiram na pele o silenciamento. A FliParaíba celebrou Camões exatamente no mês dos cento e dez anos da morte de Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas da Língua Portuguesa. Entre os lançamentos, destaco um livro sobre Pereira da Silva, outro esquecido e o de um jovem poeta muito talentoso chamado Mucane Silva.
Tudo isso surpreendeu? Não aos mais atentos. O Governo do Estado anunciou de forma turva o megaevento literário que iria realizar. Sobrou soberba e faltou sensibilidade. Anunciou os shows sem dar uma linha da programação literária. Tudo tinha cara de improviso. Sabe quantas oficinas aconteceram? NENHUMA. Não houve plantio. Apenas abriram covas.
A divulgação foi tímida. Talvez pela certeza de um evento caro, espalhafatoso e pífio. Tudo no velho modelo goela-abaixo. Com o silenciamento da FLIREDE, a participação das escolas foi resumida a um “concurso de redação sobre Camões” que não deve ter sido notícia em Cachoeira dos Índios, mas serviu para o governador entregar premiações e justificar sua presença.
Foi um acontecimento com o discurso da descolonização, mas excluiu o Brasil da mesa encerramento. Lá estava um deputado português e o tal encantador de serpentes de uma respeitável instituição privada chamada APBRA, Associação Portugal Brasil. Uma mesa onde a lábia lambeu os lábios e os portugais morreram à míngua. O tema, ironicamente, era: “Harmonia e sustentabilidade – territórios da palavra, nossas histórias e identidades”. Nenhuma voz paraibana neste naco de território brasileiro. Enfim, é assim que a banda toca atualmente.
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda.
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Lau Siqueira
Gaúcho de Jaguarão, mora em João Pessoa desde os anos 1980. Escritor, poeta e cronista, tem diversos livros publicados, participou de antologias e coletâneas. Ex-secretário Estadual de Cultura da Paraíba.