Foto: arquivo pessoal de Maria Ângela Xavier de Morais

Três de novembro de 1905. Era um dia comum, no pacato município de Areia, Paraíba, a manhã suspensa, a escutar o canto das cigarras, um sol brilhante a anunciar o verão que se avizinhava. Naquele dia chegou ao mundo Lauro Pires Xavier, uma criança saudável, alegre, que revelaria desde cedo seu amor pelas árvores, as pequenas plantas, exalando um profundo respeito pela natureza.

Lauro viveu o presente do seu tempo, atento à política, à família, mas sobretudo à escuta das árvores e das plantas miúdas. Falava com os seres vegetais tocando neles, sentindo suas fragrâncias, experimentando seus amargos e suas doçuras, escutando suas sonoridades.

Do menino curioso emergiu o cientista da biologia, da Botânica, do ambiente, conquistando reconhecimento estadual, nacional e internacional pelo seu legado. Quando o mundo preparava-se para a Segunda Guerra, em 1938, Lauro Xavier, aos 33 anos, iniciava a criação do primeiro herbário da flora paraibana, hoje plenamente preservado na Universidade Federal da Paraíba, provando que era sim, um homem à frente do seu tempo, defendendo o ambiente, as florestas, num tempo em que esse tema sequer fazia parte de políticas públicas ou de pautas da imprensa local.

Viveu histórias curiosas nas suas caminhadas pelas terras paraibanas, coletando ervas, algas e fungos. Um dia, passando por uma fazenda, deparou-se com a cena de uma velha árvore pronta para ser cortada. Como não tinha recursos para comprar a fazenda, Lauro comprou a árvore, registrou a compra em cartório, legando-a como patrimônio da Escola de Agronomia do município de Areia.
Lauro sofria em si mesmo as dores por uma árvore cortada. Na família, conta-se de um dia em que ele manifestava toda a sua angústia enquanto tocava numa árvore destroçada e se perguntava: Por quê? Por quê?…

Conheci Lauro Xavier em meados dos anos oitenta, quando trabalhava como repórter no Jornal O Norte.
Recordo-me que ele morava numa casa confortável na rua Rodrigues de Aquino, no centro da cidade. Quando eu lá ia para uma entrevista, que em geral versava sobre denúncias de árvores cortadas, era sempre agraciada com um delicioso refresco de xarope de guaraná. Nossas conversas eram tranquilas, eu tentando refrear minha pressa de repórter frenética, ele falando pausada e calmamente, com sua voz quase grave e agradável ao ouvido.

Sua preocupação maior era a defesa da flora paraibana, a preservação das florestas nativas, assim como dos parques estaduais. Sua luta envolvia o apelo para que a sociedade tomasse consciência da importância da defesa do ambiente. Essa trajetória legou-lhe um currículo brilhante. Foi o primeiro professor de agroecologia e Botânica na Universidade Federal da Paraíba e ali criou o primeiro herbário da flora nativa do Estado, acumulando hoje milhares de espécimes de plantas e fungos, constituindo-se num dos mais importantes celeiros de conhecimento para estudantes de botânica e biologia.

Publicou centenas de artigos sobre o tema, tornou seu trabalho conhecido internacionalmente e nunca perdeu o entusiasmo e a força para lutar pelo ambiente, num tempo em que o tema era tratado midiaticamente através de reportagens sobre esportes radicais ou de aventura, em terra ou no mar.
Compreendia que… “É preciso definir normas universais e homogêneas para a proteção das florestas, primeira fonte ambiental e principal fonte de renda de muitas populações.”

Como eu própria pude constatar, Lauro Xavier era amoroso e afável com sua família. Em conversas com sua neta, Maria Ângela — que o avô tratava carinhosamente por Angelinha, numa clara associação à árvore do angelim — pude conhecer cenas familiares tocantes do ecologista. “Ele me ensinou a plantar, e mais que isso, a cuidar. Nós plantávamos um pequeno broto de árvore, e depois ele me levava para acompanhar o seu crescimento”, contou ela.

Era comum o avô Lauro enfeitar as árvores do quintal com balas e chocolates, que depois seus netos encontravam entre gritos de alegria durante as suas brincadeiras infantis.

Simplicidade e idealismo. É com essas duas palavras que Maria Ângela define o seu avô. Esse homem admirável faleceu em 27 de outubro de 1991, aos oitenta e seis anos. No próximo dia 3 de novembro, dentro da programação dos setenta anos da UFPB, a instituição lhe prestará uma homenagem de reconhecimento ao grande legado científico que ele deixou para a instituição. O homem que amava profundamente as árvores, morreu como uma delas. “… Morreu como uma árvore, silenciosamente. O seu espírito libertou-se como um pássaro que, após anos de cativeiro, deixa a gaiola. Foi-se dormindo, e hoje seu corpo repousa diante de uma árvore, e os seus restos mortais certamente alimentam com muito amor o planeta que tanto amou, protegeu e pelo qual lutou”, me disse Maria Ângela.

Aqui me fica reverberando a pergunta feita pelo ecologista num dia longínquo. Por quê? Por quê… Por que persistimos na destruição das florestas? Por que tantas árvores destruídas pelo fogo? Duas palavras, como duas pedras atiradas ao lago da inconsciência humana, enquanto o modelo de desenvolvimento atual avança para um mundo sombrio e despovoado de suas florestas, dos seus pássaros, das pequenas plantas, que ainda lutam por brotar entre as frestas de cidades de concreto e asfalto.

Parafraseando Almira Gonçalves, em sua coluna “Um Parque chamado Lauro”, publicada em 1993, no Correio da Paraíba: Está faltando verde na cidade de João Pessoa. Sim. Falta o verde dos olhos de Lauro Xavier, faltam as mãos daquele homem terno e angustiado, prostrado diante de uma árvore caída, cheia de ferimentos, na Avenida Epitácio Pessoa. Sim, tantas árvores pereceram e perecem numa das mais importantes avenidas da cidade, onde um dia um homem idealista ajoelhou-se para assistir aos últimos minutos de uma árvore em sofrimento.

Fontes de consulta:

cccLauropiresxavier.blogspot.com

https://youtu.be/fhoZyjAJwUg?si=qhTPodnKZXdyl7AB