Em algum momento lá no passado, desses em que a vida parece mais difícil, eu tentei fazer terapia e não deu certo. Nesse tempo marquei consulta com uma psicóloga e em duas sessões vi que aquilo não ia funcionar para mim. Tentei outra profissional e foi a mesma coisa, desisti e cheguei a conclusão de que aquilo seria desnecessário, não tinha sentido para mim, que a vida me daria as ferramentas (usando a expressão que está na moda…) para lidar com os desafios e obstáculos. Assim segui meu rumo e parece que não me saí de todo mal.

Anos depois, e tão recentemente, veio esse período antes inimaginável de pandemia e a situação absurda que se instalou no país com o retrocesso político, econômico, social, cultural, espiritual: melhor resumir em “geral”. De todas as mazelas do desgoverno com arremedos de fascismo que se refletiu no comportamento de muita gente, além das mudanças que ocorrem no mundo e que afetam aos mais sensíveis. Qualquer pessoa que viveu esse período, que escapou com vida e que tenha o mínimo de sensibilidade, ou ao menos bom senso, não saiu bem disso tudo. Podemos até fingir, dizer que esquecemos, “virar a página”, abrir os braços a chegada de novos tempos, mas o fato é que somos sobreviventes, tais como os que sobreviveram as guerras, catástrofes, e outras desgraças. Me parece muito claro que para muita gente e repito, os sensíveis ou os de bom senso, os acontecimentos fizeram eclodir coisas do passado, aquelas que a gente guarda sabe-se lá em que gaveta das nossas mentes, além dos medos, inseguranças e outros sentimentos que não são fáceis de lidar e as tais somatizações que são as consequências de tudo isso no corpo físico. Nada disso é tão simples, não é mesmo? Não à toa um dos muitos livros que li durante a Pandemia e o isolamento forçado foi “Em busca de Sentido” de Viktor Frankl – o livro que se tornou um best seller e foi publicado na década de 1940. Nele o autor e psiquiatra relata suas experiências enquanto esteve nos campos de concentração nazistas o que o levou a criar um método terapêutico – a Logoterapia. Dizem que, na verdade ele já estava criando o método bem antes, mas nos campos colocou em prática. Não estávamos nesses últimos anos em campos de concentração, nada pode ser comparado ao horror que marcou para sempre a Humanidade, mas vivenciamos sim situações extremas, cercados de mortes invisíveis porque não vimos os corpos, não nos despedimos de pessoas amigas, ou conhecidas e na indefinição de tudo urgia encontrar sentidos para resistir e viver.

Então, passada a pior parte dessa fase cinza, em conversas com um amigo que é estudioso da Psicanálise (e há tempos não abre mão de fazer terapia), ele me falou sobre o assunto em uma perspectiva que ninguém nunca havia me falado, e que eu não havia lido ou escutado em lugar nenhum. Talvez porque nunca me interessei de fato e não achei que fosse algo para mim: eu, “A Super Mim” de mim mesma que me bastava para lidar com o mundo e enfrentar meus “moinhos de vento”. O fato é que compartilhamos de nossas alegrias, angústias, problemas, conflitos, assim como todos os bons amigos, e eu andava fazendo de nossa mesa de bar um divã de sessão de terapia. A essas alturas ele foi bem direto e me passou o contato de uma terapeuta. Me convenci a testar. No primeiro momento e apenas para marcar a consulta, já desisti. Expliquei então ao meu amigo que eu gostaria de tentar com uma pessoa que atendesse a alguns critérios: que me desse confiança de que iria me entender, esse era o principal. E foi divertido quando me passou outro contato dizendo que essa parecia ter o meu perfil. “Parece que gosta de cultura e arte, parece contigo, e tem cara de quem frequenta o Bar do Baiano.” – Que critérios são esses, minha gente? Claro que era uma brincadeira: porque uma das coisas de que não abro mão é do bom humor, do meu e das pessoas mais próximas. Lá fui para a primeira consulta. A minha terapeuta demonstra que gosta mesmo de arte e cultura, não acho que pareça comigo e nem frequenta o Bar do Baiano (pelo menos nunca a vi quando estou por lá). Estamos perto de completar um ano dessa relação terapeuta-paciente. Em algum momento pareceu ser hora de parar, mas continuo. E nunca deixo de agradecer ao meu amigo por esse bem que ele me fez.

Para que a relação terapeuta-paciente possa dar certo é preciso existir o máximo de conexão que nos dê a confiança de caminhar com a consciência de qual terreno estamos pisando. E é essa a sensação que tenho durante as minhas sessões de terapia para as quais compareço sempre e de forma disciplinada.

Por que estou escrevendo sobre terapia aqui nesse espaço que aceitei para escrever crônicas e outras coisas tais? Bom, certamente não é para expor a minha vida, coisa que não faço em redes sociais ou onde quer que seja. A minha vida logicamente é completamente do âmbito pessoal. Lógica que muitos invertem, e cada vez mais, nesse mundo doente. Escolhi esse tema porque me parece que fazer terapia é algo necessário para todas as pessoas. Então isso é quase um depoimento de utilidade humana. Não se vive mais no tempo em que ser atendido por psicólogos ou psiquiatras era algo exclusivo para quem tinha graves problemas mentais. Todas as pessoas necessitam de saúde mental. E mudar essa perspectiva é o que faz com que percebamos a importância da terapia: se o corpo precisa de cuidados e existem várias especialidades para tanto, a mente também precisa e existem profissionais para ajudar nisso. Tem sempre aquele argumento de que é algo caro, e mesmo sendo necessário é “para quem pode”. De fato acaba saindo caro para alguns. Mas é importante insistir e não deixar que isso impeça de ter essa experiência. Terapia também é um direito de saúde pública com atendimento no SUS, inclusive vários tipos de terapia. Nos consultórios particulares há um acerto prévio entre paciente e terapeuta do valor a ser pago sem causar problemas ao profissional e nem a pessoa que é por ele ou ela atendida. O bom mesmo é quando você constata que mensalmente reserva o valor em dinheiro para pagar a sua terapia com a certeza de ser um investimento em você, para o seu bem, o seu crescimento, para abrir novas janelas em sua mente e mantê-la arejada.

Fazer terapia é um dos maiores atos de amor por nós e pelos outros. Vejo muitas pessoas, e até pessoas próximas, que estão em completo sofrimento, rodando em círculos que levam ao fundo de lugar nenhum, que descarregam raiva, frustração, rancor em cima do outro, daqueles que menos merecem – na verdade, aqui cabe a frase feita“ninguém merece”, e me refiro aqueles ou aquelas que estão ali ao lado de quem está emaranhado nessas espirais de tormentos, percebendo, preocupadas, atentas porque movidas por sentimentos de amor, irmandade ou compaixão. Vejo pessoas que passaram a enxergar apenas o fim do mundo e acabam limitando o seu próprio mundo, quando guardam tantas possibilidades interessantes, que buscam prazeres ilusórios para fantasiar a vida real, para não se debruçarem a beira de seus abismos – e se fizessem isso poderiam descobrir aliviados que os tais abismos não existem: algo que só a terapia ajuda a perceber.

A terapia nos leva ao nosso encontro. De nada adianta encontrar ou conviver com outras pessoas se não realizamos esse encontro primordial. Se ver de perto, se ver por dentro, pode reforçar o seu amor-próprio: esse amor fundamental, porque sem ele não se pode amar de verdade a nada ou ninguém. Se conhecer, saber exatamente de seus limites e por causa disso passar a se respeitar mais e mais e com mais e mais coragem, disposição e vontade de aceitar esse maravilhoso desafio que é viver.

Você até pode abraçar árvores, esperar a chegada dos óvnis, sonhar com a casinha de sapê, comprar um trevo-de-quatro-folhas, pegar uma brisa, fugir para as montanhas, seja lá o que for: “Então vá, faça o que tu queres, pois é tudo da lei”- já dizia Raul, mas sem se conhecer, sem ter o mapa de seu juízo e de seus sentimentos nada disso vai funcionar. Pode até ser que os ETs cheguem e sejam abatidos a pedradas se a gente não cuidar de nossa saúde mental. (Licença para um humorzinho… O bom humor é um dos mais fortes elos com um estado emocional saudável. A gente precisa rir da gente!)

Espera aí, fazer terapia torna a pessoa um ser de extraordinária perfeição?” Pode ocorrer a alguém tal pergunta e talvez até com ironia. A resposta é “não”. Nunca se chega a esse estado ilusório com ou sem terapia. E quem quer ser perfeito? De minha parte, afirmo que não quero. Acho assustadores seres humanos que se julgam deuses e portanto perfeitos. Você pode fazer mil anos de terapia e de vez em quando dar uma “surtada”, uma surfada onda acima em um sentimento despirocado, pode. Tudo pode. Mas a melhor parte da terapia é aprender a lidar com os anjos e demônios do nosso inconsciente, ou do que somos a cada minuto. Aprendizado lento, de um trabalho prazeroso e muito rico que no mínimo nos torna apaixonados por quem somos, por essa aventura de viver, e mais honestos com a gente e com os outros.

Em tempo: semana passada dei uma surfada numa onda gigante e arrastei meu amigo – esse mesmo que me deu de presente a descoberta de uma boa terapia e que às vezes tem ouvidos e uma atenção muitíssimo valiosa quando parece que estou dando voltas no deserto que nem uma camela tonta. Depois da pancada da queda, quase imediatamente peguei de meus poderes (nada de super, porém humanos que estou ganhando na terapia) e dei uma reguada nos meus capetas – que não viraram anjos e nunca vão virar porque cada um é cada um, e nisso consiste o equilíbrio. Mas se orientaram na reta.

Aconselho como quem dá uma boa dica: procure uma terapia. Você precisa, nós precisamos. Tudo em volta vai agradecer e a vida, que é tão boa, pode ficar melhor.