Parece ironia, mas mesmo recebendo as águas da Transposição há 1 ano, o açude Engenheiro Avidos (Boqueirão de Piranhas), que abastece as populações das cidades de Cajazeiras e Sousa, está secando – hoje com menos de 17% de sua capacidade de armazenamento.

No início do primeiro governo Lula em 2003, os debates sobre a transposição do Rio São Francisco começaram a esquentar e dividiam opiniões na comunidade acadêmica. Eu, então universitário na UFPE, defendia ferrenhamente a obra, no que era rebatido por alguns colegas e até professores, que diziam que a prioridade do uso das águas seria para o agronegócio e sua irrigação e não as cidades ou o consumo humano. Hoje constato com amargura que quem me rebatia, em parte, tinha razão.

Os cajazeirenses hoje veem o açude Engenheiro Avidos secando, servindo apenas de passagem das águas do São Francisco para irrigar as grandes plantações nos municípios de Sousa, Aparecida, Catolé do Rocha e todo o vale do Piranhas-Açu no Rio Grande do Norte, confirmando o que diziam os opositores da obra. Continuo defendendo a necessidade e a grandeza da transposição, mas tenho muitas críticas, não apenas ao seu traçado, mas principalmente à sua forma burocrática e engessada, assim como a gestão de suas águas.

Vez por outra, pressionado pela imprensa, vem um representante do famigerado DNOCS ao rádio explicar o inexplicável e não responde à principal questão – até porque quem o entrevista, é igualmente incompetente: Por que não se diminui (diminuir apenas) a vazão de saída das comportas de Engenheiro Avidos para que este açude possa recuperar parte do seu nível d’água? Faz sentido o açude de São Gonçalo continuar com 50% da capacidade e Boqueirão apenas com 17%? Ou melhor, faz algum sentido Boqueirão estar recebendo as águas da transposição e continuar secando? A diminuição da vazão para São Gonçalo que defendo seria feita sem prejuízo do fluxo das águas para o Rio Grande do Norte, haja vista aquele estado estar pagando pela cota que tem recebido. Mas Boqueirão e a barragem da Boa Vista em São José de Piranhas (recém construída) vão continuar servindo apenas de passagem das águas do São Francisco para as irrigações de Sousa e do RN? Até quando? E mais: mesma coisa vai acontecer com os municípios de Cachoeira dos Índios e Bom Jesus, aqui vizinho – além do Barro no Ceará – cujas terras ardem nesta seca e o sertanejo vê as águas do São Francisco apenas de passagem, canalizadas que são para o eixo Apodi (RN), sem ao menos parte delas ficar represada no açude da Lagoa do Arroz que também ajuda a abastecer cidades sertanejas.

Onde estão as autoridades políticas da Paraíba e os representantes sertanejos na Assembleia Legislativa que já não tomaram alguma providência? Aqueles mesmos que posaram para fotos nas mais diversas inaugurações e festas que fizeram quando da chegada das águas. E o governo do Estado não vai fazer nada? Será que estão todos esperando Engenheiro Avidos chegar ao volume morto e os cajazeirenses receberem apenas lama nas torneiras para que alguma coisa seja feita? Estariam nossos representantes esperando pelas chuvas do próximo ano como se a transposição não tivesse vindo para aliviar o dilema da falta d`água? Isso me leva a constatar que, não fossem as grandes plantações das várzeas nos vales do Apodi e Piranhas-Açu, as obras do eixo norte da transposição talvez não se realizassem.

As chuvas continuarão importantes e a transposição não veio para substituí-las totalmente – até porque o Rio São Francisco precisa de chuvas – mas a decepção com o gerenciamento de suas águas depois da obra pronta não estava nos planos dos sertanejos. E agora? Vamos ter de continuar rezando por chuva? Continuar rezando por águas, de onde quer que venham, mesmo depois de bilhões gastos com canais, barragens, túneis, quiçá até superfaturamentos? Não foi para testemunhar fatos assim que se lutou tanto por essas águas.