Foto: Adhailton Lacet Porto

Tenho pra mim que definir o conto até pode ser fácil. Definir contistas é que são elas. São seres avessos à classificação. Habitam zonas entre a claridade e a sombra, e quando estão tensos, podem ser não-me-toques. Usam e abusam do verbo, mas com uma tesoura escondida. E por uma tendência não de todo justificável, são gregários. Adoram reuniões. Encontros. Só assim posso explicar a nascente do Clube do Conto.

Eu sempre esqueço a data, mas não os personagens. Vou me ater a duas figuras: a freira e escritora Maria Valéria Rezende e a convertida contista Dôra Limeira. Saíram de suas tocas com uma vontade de contar suas histórias, assim, ao ar livre – ou ao menos, no ar condicionado do Shopping Sul. Certo é que essa movimentação chamou, como um imã outros contistas. O bafafá narrativo aguçou ouvidos de tuberculoso. Não deu outra. Fico imaginando o primeiro momento, a pedra filosofal da primeira ficção. Quem começou a contar?

Entraram em cena logo após Antonio Mariano, Geraldo Maciel, Maria José Limeira, Ronaldo Monte e este que escreve esta crônica. Foi um rastilho. Não era novidade a ideia de lançar temas para conto, mas essa coisa de reunião em círculo ou semicírculo num lugar desejável, imune ao barulho (ou nem tanto) dava um clima meio decamerão nordestino. Leitura com texto impresso, tema, votação para o próximo encontro. Pronto. Uma fogueira imaginária no centro e mentes ávidas por histórias ao redor.

Dizem que o conto atrai quem tem pressa. Era um farfalhar de histórias curtas, a gente segurando o papel, um olho no café, outro na história. Também criamos lendas ou piadas internas. Dôra invariavelmente tinha um personagem que “adentrava” um recinto. Geraldo Maciel, alma de revisor, descascava depois os erros e incoerências dos contos lidos. Monte era o ranzinza com alma de pelúcia e diza na lata umas verdades afiadas. Existia uma eletricidade no ar nesta primeira geração – outras voltariam em levas ou êxodos de narradores até os dias de hoje – ano que vem, completos 20 anos.

Todo grupo tem uma mitologia. Por baixo, um inferno cômico. Os temas variavam de acordo com a demanda. Escrevemos sobre vampiros, casamentos, ônibus, calçada, epitáfio. Em uma reunião, quando o tema caiu para Escatologia, Dôra trouxe uma torta meio torta, com aparência de excremento. No tema Velório, uma vela bruxuleante. Não sabíamos, até chegar a notícia do falecimento do poeta Lúcio Lins no mesmo dia. Não desfiamos brigas, só muxoxos resolvidos na hora. Também fomos como aves migratórias entre os bairros, pousando nossas histórias em quiosques, fundos de livraria, escola, biblioteca, restaurante e pastelaria. Erámos teimosos.

Aliás, somos teimosos até prova em contrário. O Clube do conto da Paraíba tem uma tendência a persistir, assim como o dia de sábado, a goiabada com queijo, o amor.

 

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda.