Mussum, o Filmis, é uma emocionante memória de Antonio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, cujo nome artístico lhe foi dado no calor do improviso por ninguém menos do que Grande Otelo. O cara que tem o seu nascimento artístico batizado por Grande Otelo, sei não, está fadado a nos matar de rir.

O riso é uma arma mortal. Foi munido com ela que o povo brasileiro venceu o triste período da pandemia e a pior de todas as enfermidades, a excrescência da extrema direita que, observem bem, não ri, não tem senso de humor para tanto. Em seu ensaio fundamental para se entender o mecanismo do riso, o filósofo francês Henri Bergson afirma que o riso é uma manifestação de inteligência. O riso é transgressor.

Mas ao assistir ao filme fiquei pensando o quanto a arte é necessária para a vida humana. A arte mudou o status quo social de Mussum, como o fez e faz com tanta gente que nascida pobre, neste país discriminatório, nela encontra um meio de ascensão econômica e social. Se a contribuição da arte para o bem viver fosse apenas essa, já seria motivo mais do que suficiente para justificar um amplo apoio público e privado, neste caso de empresários que entendem que o seu negócio não se sustenta com a frieza de números, por mais grana que esses números possam representar, mas de um bem estar social que a sua empresa pode ajudar a manter e, de quebra, associar a sua marca ao produto artístico, gerando no consumidor uma simpatia que é tão necessária ao bom andamento das coisas humanas.

O filme de Mussum me toca em vários pontos. Primeiro, porque fui criança quando Os Trapalhões estavam no auge do sucesso na televisão. Depois, a comovente história de um gênio da comédia, algo tão implícito em Antonio Carlos que ele, ao que parece, não tinha a consciência dessa qualidade que foi se revelando aos poucos. Não bastasse, é um filme brasileiro e eu amo  assistir histórias brasileiras nos cinemas, não apenas por identificação, mas pela categoria que o cinema nacional tem e apesar disso luta terrivelmente para se manter em tela. Não sei em que pé anda esse assunto, mas ouvi falar de um certo movimento para criar uma lei de cotas paras as telas, que obriguem os cinemas a programar um tanto de filmes brasileiros anualmente. Algo semelhante já aconteceu alguns anos atrás em relação aos curtas-metragens. Antes da exibição de um filme de longa-metragem havia um curta. Mas curta foi mesmo essa história. Os curtas desapareceram dos cinemas e hoje somente possuem tela em festivais, o que é muito pouco ou quase nada. O curta-metragem tem servido muito mais como treinamento para jovens cineastas se prepararem para um longa do que como um campo estético em si mesmo, embora o seja, assim como na literatura o conto em relação ao romance. O Brasil precisa assistir ao Brasil nas telas dos cinemas, não para cairmos na contemplação algo narcisista de nós mesmos, mas para aprendermos a nos comunicar conosco, para nos entendermos enquanto povo e nação, para dialogarmos entre nós no plano do sensível,  e para nos conectarmos com o mundo. Os Estados Unidos fazem isso em relação ao seu cinema, em relação à sua cultura. Antes das bombas americanas explodirem sobre as cabeças de qualquer nação, chegam os seus filmes, que explodem as cabeças de todas as nações, praticamente. Conhecemos a cultura fílmica norteamericana, mas não conhecemos a nossa. O Brazil não conhece o Brasil, só para lembrar de Mauricio Tapajós e Aldir Blanc, que em 1978 compuseram a canção para a voz de Elis Regina, e para afirmar a importância da Lei Aldir Blanc para o cinema e para a cultura brasileira como um todo. Ironia do destino, Aldir Blanc precisou morrer para que em seu nome o Brasil possa ser revelado ao Brazil.

Mas voltando ao filme e aos sentimentos que ele me provocou, lembrei que Mussum, assim como Dedé, Didi, Zacarias e o múltiplo e genial Chico Anisio foram meus heróis por muito tempo. Há três anos, no Festival de Cinema de Gramado, encontrei com Dedé Santana. Ao ver aquele velho palhaço, não me contive. Pedi para fazer uma foto com ele, e ao abraçá-lo confessei comovido: você fez a alegria da minha infância.

Alegria de palhaço talvez não seja ver o circo pegar fogo, pude constatar olhando nos olhos de Dedé.