Foi lançado na última quinta o livro Engenho Arretado, organizado pelo poeta e crítico de literatura e música popular, Amador Ribeiro Neto. Mais uma belíssima edição da Patuá. Uma pequena-grande editora brasileira comandada por Eduardo Lacerda. Uma trincheira da resistência cultural brasileira que acumula premiações importantes com seus braços sempre abertos para a literatura contemporânea.
O livro Engenho Arretado chegou chegando. Um paralelepípedo com 362 páginas. Uma mostra expressiva da melhor poesia paraibana do século XXI. Quarenta e nove poetas que lançaram seus primeiros livros a partir dos anos 2000. Certamente outros nomes poderiam ter sido escolhidos. Afinal, o cenário da poesia paraibana é, seguramente, um dos mais inventivos do país. Apesar de algumas vozes dissonantes, estamos na pista.

Segundo Amador, “(…) uma safra novíssima da poesia paraibana que vem mostrar o que é que a Paraíba tem. E ela tem um diferencial arretado, a tirar por inúmeras publicações que vêm seduzindo editores, crítica e leitores de diferentes pontos do país”. Eis o bendito fruto de um árduo e apaixonado trabalho. Todo livro tem sua história. Este atravessou uma pandemia e uma enfermidade do organizador.

Engenho Arretado compõe um quadro de antologias que estabelecem o traçado histórico da melhor literatura paraibana. A exemplo de “Geração 59 – 14 jovens poetas paraibanos”, organizada por Vanildo Brito. Também a “Antologia Poética do Grupo Sanhauá”, organizada pela Editora UFPB e “Carro de Boi”, cuja organização foi do saudoso e querido poeta e editor Juca Pontes.

Logicamente, não podemos esquecer as coletâneas. Entre as quais destaco “Horizonte mirado na lupa – cem poemas contemporâneos da Paraíba”, organizada por mim e publicada pela Editora Casa Verde. As mostras de poemas organizadas e publicadas pelo Centro Cultural Banco do Nordeste são fundamentais. Também a coletânea organizada por Claudio Limeira, Yó Limeira e Linaldo Guedes em 1999. “Ritos e Versos para o fim do mundo” é um bendito fruto de Lua Lacerda, Mirian Oliveira, Tainara Silva e Veruza Guedes, por ocasião do Mulherio das Letras do Sertão.

As coletâneas e as antologias são imprescindíveis na literatura de um país ou região. Demarcam territórios em tempos determinados. Cada qual cumprindo sua missão. No caso das antologias, com um recorte mais rigoroso do ponto de vista temporal e estético. Já as coletâneas, apresentando compilações ou excertos selecionados das obras. Sempre com recortes também rigorosamente definidos por quem cabe organizá-las.

Toda antologia ou coletânea relata o processo que envolve a vivência do organizador ou organizadora. No caso de Engenho Arretado destaco a pesquisa permanente. Algo de quem dedica sua vida ao labor literário. Amador é professor titular aposentado do curso de Letras da UFPB. Podemos dizer que influenciou boa parte dos novos autores e autoras. Muita gente boa despertou para a poesia e para a importância do ensino da Literatura, nas suas aulas.

Entretanto não existe nem deve existir unanimidade quanto as diversas antologias e coletâneas já publicadas. As polêmicas são inevitáveis e até necessárias. Só a inanição é indiscutível. No Instituto Itaú Cultural, anos atrás, ouvi a hoje imortal da Academia Brasileira de Letras, Heloísa Buarque de Holanda, dizer que organizou uma antologia de novos poetas apenas com os livros que recebia. Não deu outra. Temos uma importante antologia nacional circulando nas livrarias, limitada aos poetas do eixo Rio/São Paulo.

O fato é que a diversidade humana, estética e regional é imensa e a literatura brasileira não se esgota nos grandes centros urbanos. É necessário correr o risco de um mergulho mais profundo. Afogar-se e sobreviver ao naufrágio. Recentemente, em conversa com o amigo e artista plástico Fred Svendsen soube que Juca Pontes, organizador da antologia “Carro de Boi” (ilustrada por Fred), estava planejando uma segunda edição ampliada, incluindo mulheres.

Lembro do seu olhar atento e preocupado no lançamento da coletânea “Horizonte mirado na lupa” quando lamentei a exclusão das mulheres nas antologias paraibanas. Um silenciamento histórico e inexplicável. Sem entrar no mérito das questões identitárias, a verdade é que o machismo não cabe no rigor estético, mas lá está. Infelizmente o querido Juca Pontes morreu antes de realizar seu desejo.
Engenho Arretado traz uma boa representação da poesia escrita por mulheres poetas da Paraíba. Poderia até ter mais, mas vai muito além do que já foi publicado antes. Afinal, desde 1959 tínhamos a presença de apenas uma mulher nas antologias. A poeta Liana de Barros Mesquita integrou o livro organizado por Vanildo Brito mas, convenhamos, esse lapso carece ainda de uma boa revisão histórica.

Criterioso e muito exigente consigo mesmo, Amador mergulhou na leitura de duzentos e noventa e sete livros. Mais de quatro mil poemas passaram pelos seus olhos atentos. Um tsunami que chegou na praia com quarenta e nove poetas do Sertão, Cariri e Litoral. Segundo ele, muitos dos bons e boas poetas ficaram pelo caminho. Afinal, sem o corte final o livro não teria se realizado.
As escolhas para uma boa antologia, todavia, dependem de fatores que são traços definidores da personalidade de Amador Ribeiro Neto: honestidade intelectual e rigor estético. Seja como educador ou inventor de poemas, o rigor (e não a rigidez) sempre foi seu método. Eis um livro que nasce demarcando um espaço importante na história da poesia paraibana e brasileira. Mais um presente da terra de Augusto dos Anjos para o país e para as nações de Língua Portuguesa.

Dizem que livro de poesia não vende. Mais uma das grandes mentiras sinceras do nosso tempo. Baudelaire vende até hoje. Drummond, Craveirinha e Fernado Pessoa também. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, edição de 2007, nos diz que na região do Vale do Pajeú, em Pernambuco, a poesia é mais popular que livro religioso.

A coletânea que organizei esgotou no dia do lançamento. A primeira edição de Engenho Arretado também esgotou no lançamento. Não deu pra quem quis. E ainda existe quem não perceba essa ‘força que nos alerta’. A poesia contemporânea brasileira exige e exigirá sempre um olhar mais atento para a diversidade humana e regional. Nossa missão é “amar e mudar as coisas”. Amador fez e faz isso com enorme proficuidade há anos.

 

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Diário de Vanguarda