A exposição Pintando o 7.7 está aberta ao público na Fundação Casa de José Américo

Em tempo de diluições e silenciamentos é importante lembrar que o ano de 2026 marcará o bicentenário da primeira fotografia impressa. Parece muito tempo, mas é muito pouco. Na verdade, estamos falando de uma jornada de experimentações e descobertas que vem da antiguidade. Não por acaso a palavra fotografia vem do grego e significa “gravar com luz”.

Nos dias de hoje quando praticamente as máquinas fotográficas – mesmo as mais simples e populares – foram substituídas por smartphones, realizar uma exposição fotográfica significa sobretudo dialogar com o tempo. Penso que é exatamente o que faz Guy Joseph com a exposição “Pintando o 7.7”. Uma ironia, uma provocação e uma celebração. Tudo na mesma embalagem.

Refletir sobre o tempo em doze telas tamanho 50×40 centímetros, parece um convite para reduzirmos a velocidade. Em síntese, reduzir o passo para ver melhor a paisagem. Nada mais apropriado que uma fotografia para capturar o tempo. Exímio conhecedor da fotografia enquanto técnica e enquanto arte, Guy nos convida para celebrar a vida. Pintando o 7.7 diz muito da sua existência, mas também dos infinitos que cercam a fotografia no mundo moderno.

Sem citar nomes para evitar omissões injustificáveis, penso que a Paraíba possui alguns dos melhores fotógrafos do Brasil. Cada qual com seu estilo. Cada qual com suas abordagens temáticas. Nesse primeiro time, Guy Joseph está entre mais sensíveis. Seu olhar espalha diversidades. Para ele o detalhe é sempre o foco do alumbramento. Um recorte necessário para a compreensão das amplitudes. A medida do recorte é ajustada na exatidão do seu olhar. O resto se explica pelo acúmulo de saberes e experimentos que transitam do analógico ao digital.

Certa vez o pintor Mondrian falou sobre o possível desaparecimento da arte. “A arte desaparecerá na medida em que a vida adquirir mais equilíbrio”, disse o pintor que nasceu depois da primeira fotografia impressa e morreu antes da fotografia digital. Talvez ele não tenha pensado que a arte, tão antiga quanto o próprio homem, ainda iria desbravar caminhos e descobrir novas linguagens. A fotografia é uma dessas linguagens. Aliás, a fotografia começou a ser reconhecida como arte já na segunda metade do século XIX através do movimento pictorialista. O fato dos nossos dias, Mondrian, é que nem a arte desapareceu e a vida mantém seus desequilíbrios.

Esta exposição de Guy não convida para uma simples contemplação. Nos desafia a ir mais longe. Há um texto oculto em cada instante capturado. Uma alça de mira na arqueologia de cada imagem. Algo que aponta para os observadores mais atentos, mas também se movimenta diante dos distraídos. Não é só de exuberância técnica que estamos falando. Há uma percepção refinada que costura o movimento na imagem para eternizá-la.

O artista nos convida para uma caminhada que vai dos lajedos do Cariri ao processo de devastação da Caatinga com os monumentos rotatórios da chamada energia limpa. Induz uma expedição entre o moderno e o eterno em movimentos que fazem do esquecimento uma das esgrimas civilizatórias. São imagens que nos revelam mais do que o que é visto.

O olhar apurado de Guy Joseph nos mostra que em tudo há distância e proximidade. Do pássaro repousando seu voo distraído no Cruzeiro ao barrete do padre em suas liturgias. Lembra um pouco Umberto Eco no ensaio “O sagrado não é uma moda”. Para o autor de O Nome da Rosa, “esse Deus tornado leigo e infinitamente ausente acompanhou o pensamento contemporâneo sob vários nomes e explodiu no renascimento da psicanálise, na redescoberta de Nietzsche e Heidegger, nas antimetafísicas da Ausência e da diferença.”

Nas cores entardecidas da praia do Jacaré, Guy reafirma a supremacia do silêncio diante do violinista redesenhado pela sua lente. É quando a fotografia traz seus elementos sonoros para uma conjugação com o texto oculto de cada imagem. Algo singular em cada pessoa que contempla a beleza capturada. Algo que sobrepõe os enigmas de uma ampulheta invisível derramando-se minuto a minuto.

Conforme já escrevi anteriormente, Guy Joseph sabe conduzir a explosão final de um click que busca a exatidão entre a nitidez da imagem e a fragmentação dos milésimos de segundos que cabem dentro de um pixel. Ele saberá sempre nos conduzir com a elegância que lhe é peculiar e com a sensibilidade e o apuro técnico de um mestre, um caminhante que não se perde dos caminhos que inventa.