![](https://diariodevanguarda.com.br/site/wp-content/uploads/2024/03/8b659e54-4f8a-4174-ae10-249d3c751899.jpeg)
Cansei o dia com a esperança do cessar fogo, do recolher as mulheres rotas, alteradas. Olhos fatigados de pânico miram o céu de fósforo branco entre os escombros de Gaza. Maternagem órfã de suas crias. É noite quase outro dia. Pesam-me a impotência e o fracasso sobrepostos como as ruínas que tomaram conta de tudo que pudesse identificar a geografia de um país.
O alvo é o extermínio de um povo, de uma nação, que agoniza sob a fome, o terror e a indiferença. Veio-me a frase machadiana em suas tintas da ironia: “Aos vencedores, as batatas”: as pontas da estrela de Davi atingem pássaros sem asas.
Resta-me irrevogável cansaço que não me faz carne os ossos. O que somos afinal? Caniços pensantes, é o que somos. Assim, a poeta tece as palavras como teia de aranha sobre o abismo, que se abre no espaço. A noite avança e o terror não dorme, chego à janela e vejo as pálpebras da besta fechando-se sobre montanhas de escombros.
A poesia se mistura à tessitura dos sons de um manifesto: se não for para exaltar a paz, não cantem hinos, silenciem os violões e as flautas. Acendam os fogos e façam rugir todos os tambores para sobressaltar as garras dos mísseis insones.
Em busca de que algo para não sucumbir à desesperança, ampara-me, por sua natureza dual, a figura de Dioniso. A mitologia grega narra que quando Zeus viu Dioniso-criança despedaçado, buscou entre as partes a que era divina: somente essa poderia resistir aos carrascos da vida, aquela parte onde fica a sede do afeto e da coragem. O órgão onde é mais potente a energia da vida: Zeus pegou o coração de Dioniso-criança e dele fez nascer novamente Dioniso!
O filósofo-poeta Elton Luíz Leite de Souza explica a etimologia e a interpreta: “Di-oniso”, “duas vezes nascido”. Quando nasceu a primeira vez, Dioniso veio ao mundo chorando, como todo recém-nascido; ao renascer, porém, Dioniso saiu do coração sorrindo, em festa, na alegria do triunfo da vida: como arte de tornar a vida de novo nascente, nesta vida e não noutra.
Dioniso não representa apenas uma forma de arte, ele expressa a potência múltipla e heterogênea das artes, sobretudo a mais importante delas: a arte de reinventar a vida. Por isso, Dioniso é considerado o símbolo do triunfo da vida. Não o triunfo de uma vida sobre outra vida, como na competição desumana desse genocídio. Que Dioniso renasça em todas as infâncias destroçadas pelas guerras, e que o reconhecimento do estado da Palestina seja o triunfo da vida resistindo àqueles que a querem morta, nos vários sentidos que a palavra morte tem.
Minha poética se alia ao poeta da vida Manoel de Barros, quando declara sobre a função de sua obra: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, é o que pretende essa crônica grávida de Paz pela Palestina!
ISA CORGOSINHO é natural de Brasília/DF, mas reside também em João Pessoa. Doutora em Teoria da Literatura pela UnB e Università di Roma, Sapienza. Professora universitária, aposentada, poeta, cronista, contista, autora de artigos e ensaios. Publicou o livro Memórias da pele (Venas Abiertas, 2021). Participou de várias coletâneas: Coletânea Enluaradas I: Se essa Lua fosse nossa (Ser MulherArte Editorial, 2021); 1ª Coletânea de Poesia Mulherio das Letras na Lua (Ser MulherArteEditorial e In-finita, Portugal, 2021); Coletânea Enluaradas II: Uma ciranda de Deusas (Selo Editorial e Sarasvati Editora, 2021); Mulherio das Letras Portugal Poesia & Prosa (In-finita, Portugal 2021); Coletânea Mulherio das Letras para Elas (Amare Livros e Ser MulherArte Editorial,2021); Coletânea Salvante IV: Entre Eixos (Saravasti Editora, 2022); Coletânea Salvante V: Reminiscências do tempo (Saravasti Editora, 2022). Mulherio das Letras Portugal Poesia & Prosa (In-finita, Portugal, 2022); Coletânea Enluaradas III: I Tomo das Bruxas: Do ventre à vida (Enluaradas Selo Editorial, 2022). Coletânea Mulherio das Letras 2022. (AMARE Editora, 2022). Coletânea Tantas Palavras (Editora Sanhaua, 2022). Coletânea poéticas Contemporâneas – uma cartografia da escrita de mulheres. (Brecci Books Editora, 2023). Coletânea Conexões Atlânticas (In-finita, Portugal, 2023). Autora premiada/1° lugar CRÔNICA. Coletânea NÓS – textos de autoria feminina (Selo Off Flip, 2023). Autora finalista CONTO destaque na Coletânea NORDESTE (Selo Off Flip, 2023).
![MULHERIO DAS LETRAS](https://diariodevanguarda.com.br/site/wp-content/uploads/2023/08/WhatsApp-Image-2023-08-23-at-11.44.14.jpeg)
MULHERIO DAS LETRAS
Coletivo literário feminista que reúne escritoras, editoras, ilustradoras, pesquisadoras e livreiras, entre outras mulheres ligadas à cadeia criativa e produtiva do livro, no Brasil e no exterior, a fim de dar visibilidade, questionar e ampliar a participação de mulheres no cenário literário.