Há 50 anos, no dia 2 de julho de 1975, a cidade de Cajazeiras ganhou as manchetes nacionais com a explosão de uma bomba-relógio na sala do Cine Teatro Apolo XI. O fato marcaria a vida da cidade por décadas e foi o assunto mais comentado nos noticiários por semanas seguidas. O atentado, que vitimou fatalmente duas pessoas e feriu gravemente outras duas, teria como alvo principal o Bispo Dom Zacarias Rolim, que havia viajado para Recife um dia antes. Em tempos de ebulição política, movimentos estudantis e religiosos contra a Ditadura Militar, não faltaram especulações quanto aos autores. Em meio a isso tudo, as investigações focavam nos “suspeitos” e muitos detalhes importantes seriam negligenciados, o que dificultou a solução do caso.
Não demoraria para que figuras locais importantes, militantes políticos de oposição ao Regime Militar, como o Advogado Bosco Barreto, fossem incluídos na lista de suspeitos. O Bispo era conhecido por suas posições conservadoras e, embora não fosse extremista, representava o segmento social local alinhado com a “Ditadura” – ao contrário dos seus auxiliares padres italianos, vistos como progressistas, com suas críticas sutis à posição oficial da Diocese. Logo, os padres estrangeiros também estariam sob suspeita, incluindo um certo religioso americano conhecido por Mr. Boyes.
Mas queriam mesmo assassinar o Bispo ou dar-lhe apenas um recado? Muitas foram as especulações com viés político. Cajazeiras, desde os anos 40, foi sempre um palco fértil de agitação cultural e polarização política e isso delineava as suspeitas. Mas o professor Damião Moreira, um dos estudiosos do assunto, procurou, por outro olhar, entender as motivações e chegou à conclusão de que as causas não eram de ordem política ou ideológica. A operacionalização para instalação de uma bomba-relógio numa sala de cinema exigia certa intimidade e conhecimento prévio do local, inclusive liberdade de movimentos e acesso antecipado às dependências do Cinema para instalar e ativar uma bomba com temporizador. Ou seja, em seu estudo, Damião conclui que o autor teria sido gente de dentro da organização eclesiástica local, ou que, no mínimo, alguém da igreja que facilitou a instalação, por um especialista, daquele tipo de artefato explosivo.
Inúmeros atentados à bomba-relógio ocorreram no Brasil nos últimos anos do Regime Militar. O caso mais famoso foi o atentado do Rio Centro, no Rio de Janeiro, tanto pelo envolvimento da “linha dura” do Exército no caso, como pelo efeito “tiro pela culatra”, muito longe do seu objetivo. O Atentado do Rio Centro foi uma tentativa frustrada de sabotagem, por setores radicais do Exército, ao processo de redemocratização brasileira, cujo foco era incriminar movimentos de esquerda, utilizando o medo e a instabilidade como ferramentas para justificar a continuidade do Regime. Mas, ironicamente, os desdobramentos do caso Rio Centro acabaram por acelerar o processo de redemocratização do país.
Seguindo essa lógica, passou-se a acreditar que o atentado em Cajazeiras teria sido executado pelo Exército e objetivava assassinar o Bispo Dom Zacarias para que a culpa recaísse sobre os líderes locais de Esquerda, que tinha o Advogado Bosco Barreto como maior expoente. Mas, ocorrido mais de 5 anos antes do caso Rio Centro, numa cidade de 35 mil habitantes, no sertão da Paraíba, teria sido o atentado no Apolo XI precursor de um movimento perpetrado pelo Exército que explodiria dezenas de bombas meia década depois? Pela baixa expressão política representada por nossa cidade e suas autoridades àquela época, é provável que NÃO. Até porque não se tem notícia de tais eventos atribuídos ao Exército durante os cinco anos seguintes ao caso Apolo XI – até que se iniciassem os atentados que explodiram bombas na sede da OAB, em dezenas de bancas de revistas e por fim no Rio Centro. Porém, hoje, passados muitos anos desses fatos, ficou fácil o “achismo” colocar tudo no mesmo saco e também incluir as Forças Armadas como suspeitas do atentado em Cajazeiras, conjecturando-se que tais bombas eram de “uma mesma safra”.
O estudo do professor Damião busca um novo olhar sobre o caso. Foi publicado no periódico Gazeta do Alto Piranhas, número 1387, onde pode ser lido na íntegra. Sob sua ótica, tem ganhado força a tese de que a motivação do atentado no Apolo XI foi pessoal, realizado por alguém de dentro da própria Igreja/Diocese, insatisfeito com a postura do Sr. Bispo e que quis dar-lhe “apenas um “susto”, pois sabia de sua ausência do cinema naquela noite. Porém, sem uma conclusão oficial e sem que o inquérito tenha indiciado autores, o caso do Apolo XI continuará sendo um mistério que perde importância com o tempo.
Dermival Moreira
É bancário aposentado, com Licenciatura em Geografia na UFPE e é autor de “Identidade e Realidade – artigos e crônicas”.